Comunidade Metrô Mangueira em vigília contra remoção

Integrante do Complexo da Mangueira, a Favela do Metrô costuma ser visitada por quem está em busca de oficinas de carro na Avenida Radial Oeste. A comunidade, contudo, é muito mais ampla do que imagina quem passa de carro por ali e vê pelo menos 30 mecânicas. Por trás das oficinas, há neste momento centenas de famílias vivendo sob grande tensão.

Protesto - Reprodução

Desde que o Brasil ganhou direito a ser sede da Copa do Mundo, os moradores do local têm sofrido pressão para sair da área. Há uma semana, a prefeitura reiniciou o processo de remoção, quando cerca de 15 casas foram demolidas, antes que houvesse acordo com as famílias. Muitas ainda não sabem para onde irão. O subprefeito da Zona Norte afirmou, na última sexta-feira (3), que as demolições continuarão por mais um mês e meio.

Restam no local apenas destroços. Entre eles, só é possível distinguir as casas que ali existiam pelos diferentes ladrilhos coloridos em pedaços de paredes. Verdes, azuis, de bolinhas. Entre eles, restos de móveis, documentos e até um varal de roupas íntimas mostram que nem todos tiveram tempo suficiente para retirar os pertences.

A comunidade, por décadas completamente esquecida pelo poder público, chama atenção agora pela proximidade do Maracanã, estádio onde será realizada a final da Copa. Alguns moradores começaram a ser removidos do local dois anos atrás, sendo levados sobretudo para conjuntos habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida, em muitos dos casos bem longe dos centros de trabalho aos quais estavam mais vinculados.

A área desocupada daria lugar a um estacionamento, mas, como as obras não tiveram continuidade, outras famílias ocuparam as casas abandonadas. Essas pessoas viram as moradias serem postas abaixo na terça-feira passada (7), sem terem tido direito de dialogar com o poder público sobre a nova moradia. Vale lembrar que, desde 2001, o direito à moradia está previsto na constituição brasileira, o que obrigaria o Estado a garanti-lo a todos os seus cidadãos.

O ajudante de obras José Roberto Queirós está entre os moradores que tiveram suas casas derrubadas semana passada. Mora sozinho e recebe as três filhas no fim de semana.

– Está difícil arrumar um lugar para viver no Rio. Está caro para qualquer trabalhador. Esses dias tenho faltado o trabalho com medo de demolirem minha casa com tudo o que é meu – disse ele.

Sérgio Ricardo Gonçalves, também morador da favela do Metrô Mangueira, levou todos os percentes para a casa de um vizinho que ainda não foi marcada para a remoção da prefeitura. Ele morou durante anos no prédio abandonado do IBGE, localizado mais acima, dentro da favela da Mangueira, e se mudou recentemente para as casas abandonadas da favela do Metrô. Segundo ele, ali havia mais estrutura, com encanamento e menos esgoto pelo chão. Porém, durante a demolição das casas na terça-feira, as máquinas furaram canos e acabaram com a pouca estrutura que havia sido levada ao local:

– É como se não houvesse gente ali, olham como se não fôssemos nada – contou o morador.

Parte da comunidade instalada no local estava em negociação com a prefeitura. Há os que aceitam ser removidos e receber um aluguel social – embora este seja de um valor muito abaixo do mercado imobiliário no Rio de Janeiro. Outros resistem, reivindicando o direito ao território onde construíram não apenas a casa, como também relações dentro da comunidade. Muitos também trabalham próximo ao local. No entanto, a retirada foi feita sem nenhuma negociação. A prefeitura do Rio de Janeiro iniciou a remoção em uma ação articulada com a Polícia Militar, de forma truculenta. Desde então os moradores se reunem várias vezes durante cada dia, acompanhando a situação sob alerta constante. O medo é de que mais casas sejam demolidas. A prefeitura afirma que os moradores serão atendidos com um aluguel social no valor de R$ 400, até que recebam uma casa no programa Minha Casa, Minha Vida, dentro da própria favela. Não há, porém, previsão de construção de novas unidades habitacionais na comunidade da Mangueira.

O pesquisador da Universidade Lusófoba de Portugal Déo Delambre, que tem visitado o local diariamente, contou ter visto, logo após a ação da prefeitura, uma cena de um senhor totalmente atordoado devido à perda de documentos.

– Quando alguém da classe média perde a sua carteira de identidade, fica totalmente transtornado. Imagine uma pessoa que teve os seus objetos pessoais misturados aos destroços da sua própria casa – disse ele.

A moradora Jane Pinheiro contou que, na madrugada de terça, foi acordada com um trator já próximo a sua residência.

– Avisei que não ia sair. Pediram então para tirar meus móveis, e eu não tirei. Tirar o móveis para colocar aonde?

O mesmo ocorreu dois anos atrás, na primeira remoção no local. Segundo registros, 107 famílias foram retiradas e levadas para Cosmos, que fica a cerca de 50 km dali, contrariando o acordo de assentar famílias em locais próximos à moradia original. A presença da polícia foi uma constante na Favela do Metrô. Renato Consentino, membro do Comitê da Copa e das Olimpíadas, disse algo que dá o que pensar:

– Esse tipo de atuação merece, no mínimo, uma presença forte da assistência social, pois não é um caso de polícia. Mas o que se vê na Favela do Metrô é sempre um contingente forte de soldados da PM. O Objetivo é maquiar o entorno do Maracanã; esconder e não resolver nossa pobreza.

Em nota, a prefeitura do Rio afirmou que representantes da Secretaria Municipal de Habitação e da subprefeitura reuniram-se com a Defensoria Pública, OAB e pessoas que ocuparam parte dos imóveis remanescentes após o reassentamento dos moradores originários e decidiram realizar o cadastramento das famílias que estavam no local até o início da operação de demolição. Ainda segundo a prefeitura, estas famílias terão direito a receber o aluguel social até a entrega de imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida. A nota registra também que a área desocupada será reordenada para receber o Polo Automotivo Mangueira e cita a geração de empregos para a população local.

No entanto, o único fato consumado pelo poder público foi a derrubada das casas. Ainda não há documento nenhum que garanta o recebimento do aluguel social pelas famílias e muito menos ofertas de emprego. Não há sequer assistentes sociais acompanhando esse processo junto aos moradores, entre eles crianças, idosos e muitas mulheres grávidas. Ali, os interesses relacionados à Copa do Mundo tornaram aquelas pessoas apenas números registrados nas antigas paredes demolidas. A sigla “SMH”, da Secretaria Municipal de Habitação – terror de todos os moradores ameaçados de remoção no Rio – reduz famílias inteiras a um rabisco.

Fonte: Brasil de Fato