Pedro: sobre a proibição de turistas em repúblicas de Ouro Preto

Uma ação movida pela Associação dos Hotéis na cidade mineira de Ouro Preto teve o parecer favorável da Justiça que proibiu repúblicas de estudantes de receberem turistas para se hospedarem no carnaval. Sobre o assunto, Pedro Luiz Teixeira de Camargo*, acadêmico e morador da cidade fez uma análise que o Vermelho publica abaixo:

ouro preto foto vinicius terror, 2013

Patrimônio histórico mundial, berço do barroco brasileiro e sede principal do Instituto Federal de Minas Gerais ( IFMG) e da Universidade Federal de Ouro Preto ( UFOP), Ouro Preto se destaca no cenário artístico, cultural, acadêmico e festivo como poucas cidades do país.

Outro fator que a coloca nos telejornais do mundo inteiro, sem dúvida é seu famoso carnaval de rua, junto com Diamantina, o mais famoso das Gerais e um dos principais do Brasil. Fruto de uma eterna parceria entre as tradicionais Repúblicas, poder público e população ouro-pretana, este bem imaterial, ao longo dos últimos anos tem sofrido graves problemas em relação a sua continuidade, especialmente por parte do Poder Judiciário.

Desde sempre, as repúblicas ditas federais, por serem patrimônio da União e servirem de moradia estudantil têm sido questionadas por seus métodos de gestão, onde a Universidade, proprietária de fato dos locais, pouco ou nada fez por estas, deixando sua administração por conta dos próprios alunos, que, para garantir um mínimo de convívio e bem-estar social, montaram suas próprias regras.

O poder público questionar tais regimentos soa muito complicado, tendo em vista que muitas destas moradias têm mais de 60 ou 70 anos de gestão própria, ou seja, se virando para manter um bem público para uso da própria comunidade universitária. Não é barato manter casarões no Centro Histórico de Ouro Preto ou mesmo o mínimo de bem-estar para a sobrevivência dos estudantes. Quem consegue hoje estudar ou realizar uma pesquisa acadêmica sem um computador ligado à internet, por exemplo?

Dentro desta lógica da busca do lucro para minimamente se manter, e devido ao abandono histórico destas casas pela Universidade, surgiram às festas e, principalmente, os carnavais das repúblicas, onde, a preços bem mais módicos que os hotéis, turistas ficam nas casas bebendo, comendo e usufruindo das festas e blocos carnavalescos durante o período momesco.

Os turistas frequentadores deste tipo próprio de carnaval são em geral estudantes ou jovens de classe média de outras cidades, que, por conhecerem a fama de Ouro Preto, resolvem usufruir de suas tão famosas festas se hospedando nas não menos famosas repúblicas.

De olho no lucro que se pode arrecadar ao hospedar tais visitantes, a rede hoteleira ouro-pretana, em conjunto com o Ministério Público e a própria Prefeitura, já há alguns anos vem criando cada vez mais dificuldades para que as moradias estudantis consigam o alvará de funcionamento para o carnaval, questionando itens como segurança, legalidade para cobrança de hospedagem pelo uso de bem público, etc.

Alguns destes argumentos, podem até fazer sentido se pegarmos na raiz do problema, pois de fato um imóvel público não deveria cobrar para alguém estar presente neste, como em uma festa particular, por exemplo. Entretanto, se a Universidade não se faz e não se fez presente durante tanto tempo, como questionar as maneiras que os próprios estudantes criaram para se manter? E pior, para manter o próprio bem público?

A meu ver, os argumentos do judiciário são extremamente equivocados ao proibir as Repúblicas de cobrarem para hospedagem, pois esta é uma das principais formas de manter os próprios estudantes e moradias ao longo do ano, ou seja, uma mão lava a outra. Se a União não dá manutenção nas casas dos estudantes, como pode a justiça questionar a maneira encontrada por eles para manter um bem que é do próprio país?

Evidentemente que não se deve ser ingênuo de achar que as coisas acontecem por acaso. Existe, por trás de tal proibição, uma grande pressão do empresariado de Ouro Preto que quer abocanhar esta gama de turistas que se hospedam nas repúblicas. A rede hoteleira, inexplicavelmente, cai em um erro óbvio: o perfil do estudante que se hospeda nas repúblicas não é o mesmo do que se hospeda em hotéis.

Quem quer ficar em República, além de pagar menos, ou seja, ter menos dinheiro para gastar, quer um carnaval diferente daquele de um hotel histórico, ele quer curtir sua jovialidade com festas até o dia clarear se esbaldando com os amigos das mais diversas maneiras possíveis! Será que estas mesmas pessoas é que vão querer ficar em hotéis e pousadas? Eu duvido muito…

Além deste fato, outro deve ser levado em conta, que é o dinheiro que tais turistas republicanos trazem ao comércio local, especialmente de ambulantes e artesãos, comprar um relicário ou comer um cachorro quente também ajuda a população da cidade, ávida por conseguir uma melhora financeira enquanto a classe média se diverte…

Portanto, proibir a hospedagem paga das repúblicas é uma arbitrariedade que causa prejuízos financeiros incalculáveis para a cidade. Mas como temos visto por aí, o judiciário cometer “injustiças” em prol de alguns no nosso país, não tem sido algo muito novo, por que seria diferente na cidade patrimônio mundial?

Mas fiquemos tranquilos, não é e nem será um decreto que impedirá os estudantes de Ouro Preto de se reinventarem e terem o carnaval, com ou sem hospedagem, a criatividade reinará, e o mais famoso carnaval de rua de Minas Gerais também, fiquemos tranquilos, pois, mesmo com o autoritarismo de alguns, o samba não pode parar, e a festa há de continuar, com ou sem os ditadores de toga!

* Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe) é Biólogo, Especialista em Gestão Ambiental, Mestrando em Sustentabilidade pela UFOP/MG e Diretor de Universidades Públicas da ANPG.