Reflexões sobre a cassação do prefeito de Campo Grande

Por Mario César Fonseca da Silva (*)

A cassação do mandato de Alcides Bernal (PP) abre um perigoso precedente. Fere a democracia e coloca em risco a supremacia da vontade popular manifestada nas eleições. Embora seja atribuição da Câmara Municipal fiscalizar o Executivo e até mesmo submeter mandatários a juízo político, o processo precisa ter fundamento plausível, além de ser conhecido e discutido amplamente pela sociedade, o que não ocorreu neste caso. Não aconteceram mobilizações massivas que pedissem a saída ou que defendessem a continuidade do prefeito do cargo, evidência cabal de que o povo ficou distante do ferrenho embate entre os poderes municipais, que paralisou a cidade, causando-lhe sérios prejuízos.

Quando se interrompe um mandato assim de inopino, não há nada o que ser celebrado. Contudo, caracterizar todo o acontecido como revanchismo golpista pura e simplesmente, de modo maniqueísta, é um equívoco. Vários foram os fatores que confluíram e conduziram a situação a um desfecho tão dramático, inclusive erros graves cometidos por parte do próprio prefeito e a ausência de um projeto realmente progressista para a capital sul-mato-grossense, o que não é de hoje. Não bastam o lamento e a indignação. Muito menos cabe o desânimo. O momento é de refletir e extrair lições a partir de um entendimento acertado sobre os acontecimentos. Entre o preto e o branco, há gradações infinitas de cores.

Penso que na raiz de tudo está o fato de que os setores democráticos e populares há muito tempo não apresentam para Campo Grande um projeto consistente sob os aspectos político, social e programático, capaz de mobilizar milhares de corações e mentes. Bernal não tinha perfil, trajetória, programa, partido e arco de apoio que pudessem expressar um claro compromisso com esta perspectiva. Sua eleição significou mais a negação de um ciclo político desgastado historicamente do que propriamente a afirmação de uma alternativa avançada que pudesse enfrentar o enorme passivo social da cidade e atender as demandas da população por serviços públicos de qualidade, democracia e transparência na gestão.

Se o povo votou de forma massiva em Bernal, este mesmo povo elegeu uma Câmara Municipal que lhe era majoritariamente hostil, colocando objetiva e imediatamente para o prefeito a questão da governabilidade. Em lugar de construí-la, subestimou o poderio de seus adversários e partiu para o ataque frontal, numa tática suicida. Menosprezou o papel imprescindível da articulação política na viabilização de sua administração e tratou os movimentos sociais de forma utilitarista, jamais os convidando para debater políticas, apenas para o que lhe interessava no contexto da guerra política que o envolveu.

Centralizou a administração, perdeu o apoio até de correligionários, não ouviu os partidos que o apoiaram e sequer se esforçou para reunir na Câmara o apoio necessário para barrar a cassação de seu mandato. Imaginou que os 270 mil votos recebidos em 2012 seriam o suficiente para deter o massacre de que foi alvo. Ou seja, desperdiçou a oportunidade histórica que o povo lhe conferiu, isolou-se e foi levado ao cadafalso. É bom que se diga que alertas, orientações e mãos amigas não lhe faltaram. Não há salvadores da pátria. Não se governa e não se enfrenta forças poderosas sozinho, sem rumo claro, respaldo político e apoio organizado na sociedade.

Os rumos da cidade são incertos. E os problemas se acumulam. A exemplo de outras capitais, Campo Grande é fortemente afetada pela degradação da vida urbana, que degenera em desigualdade, serviços públicos dilapidados, infra-estrutura precária e aumento da violência. Tanto que aqui também se fez ouvir a voz das ruas nas jornadas de junho do ano passado, que clamou por saúde, educação e transporte público de qualidade, bem como por mudanças na forma de se fazer política. Precisamos olhar para a frente e reconstruir a ideia de uma cidade humanizada, moderna, desenvolvida, democrática, participativa, plural e justa socialmente.

*Mario César Fonseca da Silva é advogado e presidente do PCdoB de Campo Grande-MS