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Passo decisivo para um partido comunista de quadros e de massas

Parte 2
A realização do 8º Encontro Nacional sobre Questões de Partido atualizou o debate da construção partidária à luz de seu Programa e das Resoluções do 13º Congresso. O artigo que se segue é a segunda parte para aprofundar o debate por um partido comunista de quadros e de massas de militantes

Por Walter Sorrentino*

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Na primeira parte do artigo, dizia da necessidade de “entender a nova gramática promovida pelas transformações sociais, culturais e, por extensão, políticas, ocorridas nesses doze anos de ciclo político encabeçado por forças populares. Não há como ater-se apenas ao universo restrito dos movimentos sociais organizados, em que pese seu papel estratégico, sem compreender ao mesmo tempo, em profundidade, as características da rica, diversificada e complexa sociedade civil brasileira”.

Liguei isso a que “a noção mesma de partido comunista de quadros e de massas, extenso e influente, só se completa enquanto pensamento político-organizativo com a capacidade de gerar adesão identidária de vastos setores do povo trabalhador, da juventude e das mulheres, de setores da intelectualidade, com um programa estratégico traduzido em ação e proposição concretas a cada situação. Ou seja, capaz de dizer com clareza pelo quê se luta a cada momento na direção de um projeto totalizante, partindo do cotidiano da vida real do povo, com trabalho cotidiano, pedagógico e político, de solidariedade e participação, combinando as reivindicações com campanhas de massas em torno das reformas estruturantes para um novo arranque na situação brasileira”, o que conduz à “necessidade de conferir ao partido um eleitorado próprio mais permanente e definido, fiel a essa identidade e a essas bandeiras, que vejam no PCdoB essa representação e esperança. Uma corrente política de massas em torno de um novo projeto nacional de desenvolvimento como caminho para o socialismo vai desde fileiras militantes até essa faixa eleitoral mais permanente, que oscila sim ao sabor de conjunturas, mas mantém um núcleo com sentido de pertencimento ao projeto”.

 
Merecem ponderações essas reflexões. Há um caminho simples, mas falso para perseguir esses objetivos, qual seja, a ideia de que os comunistas deveriam organizar uma corrente à parte do movimento real, demarcada com as demais. Ao contrário, quando se fala em rica e ativa sociedade civil, há que se enxergar que, afora a atividade dos comunistas, há imenso trabalho de organização em todos os terrenos para alcançar essa rica sociedade civil.

Não falo apenas das organizações populares, que nelas há um enorme trabalho de base, de variadas dimensões e tipos, para manter ativas as causas candentes dos interesses imediatos do povo. Imaginar que a atividade das centrais sindicais, todas elas, prescinde do ativismo cotidiano em portas de empresas, seria uma estupidez: há dedicação, há pautas e agendas permanentes nisso, militantes ativistas aos milhares.

O mesmo no cotidiano das associações comunitárias, da juventude e das mulheres, dos que lutam contra a discriminação racial, dos sem-terra, sem-moradia, dos ativistas do LGBT, dos conselhos tutelares, de saúde, das crianças e adolescentes, dos moradores de rua, presidiários… Para não falar dos demais aspectos da sociedade civil organizada, com milhares de associações como OAB, Conselhos profissionais etc., que conhecem disputas eleitorais acirradas.

Causas é o que não faltam, mas elas só se instituem devido a amplo trabalho, menos ou mais visível, por parte de milhares e milhares de ativistas no cotidiano. Mas não há ilusões possíveis: todo movimento associativo têm intensivo trabalho para promover essa realidade. Impossível, por exemplo, desconsiderar o trabalho de base das igrejas, superativo em suas formas específicas, aos quais comparecem a força da igreja católica, no passado e presente, em variadas causas dos movimentos populares. E a lista poderia prosseguir até muito longe, a demonstrar que seria uma ilusão imperdoável imaginar que apenas a esquerda realiza trabalho permanente na sociedade.

Nessa dinâmica, não faltam polêmicas, disputas, demarcações ou sectarismos. Tudo que os comunistas não podem é se ausentarem dessa realidade, serem preconceituosos ou sectários. Ao contrário, a questão é que os comunistas, com suas prioridades políticas, atuam nessa realidade, dela fazem parte, com elas precisam se articular de modo específico. Quer dizer, seu papel decisivo é infundir, em cada movimento e cada causa em que se apresentem, os valores de um projeto de nação democrática, progressista, desenvolvida e avançada. Dar contornos de um projeto político de governo e/ou de poder, conforme a correlação de forças, que galvanize essas energias, abranja as causas num todo capaz de abrir perspectivas mais profundas de mudanças no Brasil.

As transformações requeridas não podem ser concebidas como redenção, começar de zero, passar tudo a limpo. Isso é de um idealismo abstrato, próprio de ideias religiosas. A dialética das mudanças não é diáfana, ao contrário, a concretude do real é opaca, cheia de contradições, mesmo no interior do movimento popular lato senso. O papel dos comunistas, portanto, não é o de regular a realidade pela sua consciência, mas ao contrário, partir do real, não se organizar e atuar à parte, demarcadamente, repito, mas o de inseminar o conteúdo de um projeto político a cada passo dos movimentos, projeto em torno do qual visa a construir nova hegemonia de forças políticas e sociais, de valores e cultural, para fazer do povo trabalhador o protagonista consciente das mudanças.

Talvez essa seja a melhor compreensão do “mergulho nos movimentos sociais” formulado desde a 9ª Conferência Nacional em 2003 – com a compreensão de que é mergulho na realidade, atuação profunda em todos os aspectos da sociedade civil, disputando sem estreiteza política, junto a vastos setores sociais, as casamatas do poder conservador ainda hegemônico, precisando os alvos da luta e as forças aglutináveis, conjugando esforços políticos, de ação de massas, institucional e eleitoral, os movimentos sociais e da cultura, num trabalho molecular permanente pela nova hegemonia.

Só assim, me parece, se constituirá um bloco político e social transformador, enquanto unidade popular, com trabalho cotidiano na vida real do povo, pedagógico e político a um só tempo, de solidariedade e participação, combinando as pequenas campanhas reivindicatórias cotidianas com campanhas amplas de massa em torno das reformas democráticas estruturantes para um novo arranque na situação brasileira. Só assim se poderá falar realmente de um eleitorado próprio do PCdoB.

O que isso tem a ver com a construção partidária? Sempre disse que esse tipo de estratégia envolve características específicas de estruturação partidária, que sejam as de um partido comunista de quadros e de massas de militantes, filiados, simpatizantes até um eleitorado próprio. Primeiro, valorizar a atividade militante generosa dos comunistas, pela base, e estimular que espraie a liderança de cada um para além das fronteiras apenas do local de atuação ou, pelo menos, que abranja um universo mais largo de setores e lutas sociais em seu âmbito. Segundo, instituir de fato vida nas organizações de base: elas são o “estado-maior” da ação, definem projetos políticos próprios para cada OB no tempo e no espaço, forjam pautas e agendas concretas mobilizadoras da base, sem o que a atividade militante se encerra em marcos estreitos e muitas vezes impotente. Terceiro, além do papel de inseminadores registrado acima, os comunistas e suas organizações terão um papel articulador permanente e organizado dos vários aspectos da luta social, política, cultural do povo.

Não vejo outro caminho para constituir um partido comunista de quadros e de massas de militantes influente e forte na atual realidade brasileira.

*Walter Sorrentino é médico e secretário nacional de Organização do PCdoB