Rosário Amaral: Maré no contexto da violência e desigualdade

Será amanhã, 30 de março a ocupação do Complexo da Maré pelo Exército brasileiro. O lugar é estratégico para o Estado, que precisa tirar do controle do tráfico uma população estimada em 129 770 habitantes, pelo censo de 2010 e que vivencia cotidianamente situações de violência que coloca esse bairro no ranking das mais brutais do município do Rio de Janeiro: Foi quase sete vezes maior do que na Rocinha no ano de 2009.

Por Rosário Amaral*, para o Portal Vermelho

Com predominância de mulheres, 66 027 residentes para 63 743 homens, essa unidade populacional respondeu pela produção de 51,17 crimes violentos fatais (homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e latrocínio) por cem mil habitantes por local de ocorrência no ano de 2009. Esses dados foram apresentados pelo (ISP/SESEG), que diagnosticou, também, os índices de 48,50 em 2007 e 38,7 em 2008 casos por cem mil habitantes.

Maré, assim como ele é chamado, é também lugar estratégico para o tráfico de drogas: Situado entre as principais vias de entrada para o município: Linhas Vermelha e Amarela e Avenida Brasil, que permitem a circulação de drogas e armas com facilidade. Essas vias têm acessos rápidos a uma das principais entradas de aeroportos do país, o Internacional Antônio Carlos Jobim (Galeão), além de acessos à Ponte Rio – Niterói, Porto do Rio de Janeiro e Rodoviária Novo Rio.

A proximidade da Copa do Mundo torna o Complexo da Maré alvo da atenção (em nível de Federação, Estado e Município), todos envolvidos com este evento, mesmo que o Secretário de Estado e Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame afirme o contrário. O deslocamento de tráfico das comunidades pacificadas para os 16 micro-bairros desta comunidade, assim como, outras comunidades próximas – Ilha do Governador e para outros Municípios vizinhos à Capital- vem ocorrendo, nos últimos anos, contribuindo para aumentar, ainda mais a violência nessas regiões.

Ao serem comparados, os indicadores de violência acima citados com os apresentados pelo Complexo do Alemão, para os mesmo períodos analisados observou-se 42,90, 30,79 e 36,16 casos por cem mil habitantes para os anos de 2007; 2008 e 2009 respectivamente. Enquanto a Rocinha evidenciou 13,16 eventos em 2007; 13,48 eventos em 2008 e 8,30 eventos em 2009 (por cem mil habitantes). Só para período de 2009, as ocorrências de violência nos Complexos da Maré, Alemão e na Rocinha corresponderam aos respectivos percentuais de 53%, 38% e 9% dos casos. E, se tomarmos como base essa série histórica apresentada pelo site Riocomovamos, é correto afirmar que a Violência no Complexo da Maré foi quase sete vezes maior do que na Rocinha no ano de 2009. Tendo isso em vista, fica evidente que os critérios utilizados pelos governos do Rio de Janeiro para implantarem as Unidades de Polícia Pacificadora, não passaram pelo crivo das comunidades com maiores índices de violência no município, pois a observância dos indicadores sociais, com certeza apontaria para outra ordem de seleção. Desde 28 de novembro de 2010 a megaoperação da polícia Civil e das Forças Armadas ocupou o conjunto de favelas do Complexo do Alemão e no ano seguinte, em 13 de novembro de 2011 foi a vez da Rocinha e a intervenção na Maré foi adiada várias vezes.



Violência tem solução

A violência é fruto da realidade complexa cujas soluções também o são. E, de acordo com a socióloga e pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz Minayo, “Por ser histórica e por ter a cara da sociedade que a produz, a violência pode aumentar ou diminuir pela força da construção social. Suas formas mais cruéis – que ocorrem nos níveis coletivos, individuais e privados – precisam ser analisadas junto com as modalidades mais sutis, escondidas e simbólicas, de forma muito profunda e aberta, para que todos possam colaborar. Afinal, todos são atores e vítimas”. "Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde" (Maria Cecília de Souza Minayo).

Compartilhando da linha de pensamento de Minayo, “violência tem solução”. As estratégias para solucioná-la, podem ter várias dimensões. Chamando a atenção para o equívoco do pensamento difundido em amplo espectro social que equipara a pobreza à violência, Minayo afirma: “É uma falsa ideia achar que os pobres são mais violentos. Pobreza não é sinônimo de violência e prova disso é que, se fosse o caso, os estados, as cidades e os bairros brasileiros mais pobres estariam em pé de guerra e quase metade da população viveria em estado de revolta contra os mais ricos. Mas isso não ocorre”. Lembra que, “estudiosos do assunto revelam que: Investimento em educação formal, na universalização dos direitos políticos, sociais, individuais e específicos e na melhoria das condições de vida dos pobres e dos trabalhadores fez muito mais, historicamente, para a superação das formas graves de violência física e da violência criminal nos países da Europa, por exemplo, do que os investimentos em segurança pública estrito senso. No entanto, o papel da segurança pública no Brasil e no mundo de hoje também é fundamental (CHESNAIS, 1981)”.

A intervenção nessas comunidades faz sentido, quando o Estado permite que essas populações se apropriem de direitos de cidadania: ir e vir com tranquilidade, sem medo; qualidade de vida com saúde, educação, lazer moradia, respeito. Mas, o Complexo da Maré além das importantes vias de acesso que o circunda, tem no seu entorno dois dos mais importantes e estratégicos instrumentos de Estado para a implementação de políticas públicas: A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no Campus da Ilha do Fundão, uma das maiores instituições públicas de nível superior do país voltada para o ensino, pesquisa e extensão. Do outro lado da Avenida Brasil, está a mais importante instituição de ciência e tecnologia de saúde da América Latina, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde. Ambas têm projetos de pesquisa e extensão voltados para o atendimento à população da Maré, mas esses projetos também sofrem o impacto da violência para prosseguirem livremente.

*é da direção Distrital do PCd B Ilha do Governador, é Jornalista com pós-graduação em “Impacto da Violência na Saúde” EAD-Ensp/Fiocruz e pós-graduação MBA em “Jornalismo Investigativo Realidade Brasileira FGV-RIO.