Reino Unido: Crise favorece os ricos e devolve os pobres ao século 19
No Reino Unido existem, pela primeira vez, mais de 100 pessoas com fortunas superiores a um bilhão de libras (R$3,73 bilhões), segundo o Sunday Times, enquanto no mesmo país há pessoas cujas condições de vida são semelhantes “às da época vitoriana”, denunciam 170 médicos em carta aberta.
Por Norman Wycomb, de Londres para o Jornalistas sem Fronteiras
Publicado 23/05/2014 08:18
Nunca os ricos foram tantos no Reino Unido como em 2013, cinco anos depois de anunciada a crise bancária e praticada a salvação dos bancos pelos contribuintes; e também jamais desde a Segunda Guerra Mundial foi tão agressivo o assalto à qualidade de vida dos cidadãos, aos serviços públicos e emprego.
“Estes são os dados que melhor nos permitem identificar uma sociedade profundamente doente”, diz o sociólogo Charles Eden, da Universidade de Oxford. “Estes níveis de riqueza assentam num aumento generalizado da pobreza, mas como a propaganda oficial endeusa os feitos dos mais favorecidos, os mais prejudicados tendem a cruzar culpas entre si”, acrescenta.
“Por isso temos os desempregados contra imigrantes, os que sofrem cortes de salários contra os pequenos comerciantes, por sua vez asfixiados pelas grandes redes enquanto se barricam contra o pequeno delito”, afirma Eden.
Segundo o Sunday Times, são agora 104 os cidadãos britânicos “bilionários”, com fortunas superiores a um bilhão de libras, mais 20 do que na lista divulgada em 2013, garantindo ao país o topo do ranking mundial da maior concentração de super ricos. Uma subida de 15,4% em apenas um ano, o que leva Phillip Beresford, que compila estes dados desde 1989, a afirmar que “nunca vi um crescimento anual tão fenomenal das fortunas dos mil britânicos mais ricos”.
Os mil mais ricos juntam agora uma fortuna de 519 bilhões de libras (R$ 1,9 trilhões), contra 449 bilhões de libras no ano anterior. Desde 2008, ano em que a crise explodiu, a riqueza dos super ricos no Reino Unido duplicou.
“Para os que tinham dúvidas, fica cruamente exposto o efeito da austeridade, porque estes números revelam também que um por cento dos mais ricos têm uma fortuna superior aos 55% dos que integram os mais baixos escalões de rendimentos”, compara Charles Eden.
“A quantidade de riqueza acumulada é obscena, mas não menos chocante é a velocidade vertiginosa a que cresce”, prossegue o sociólogo. “Para integrar a lista dos 500 mais ricos é preciso agora ter uma fortuna de 190 milhões de libras, bastante mais do dobro do nível de 2004, que era de 80 milhões, e quase 20 por cento acima dos 160 milhões de há um ano”.
A propósito destes dados, a organização não governamental Oxfam afirma que a fortuna dos 600 mil mais ricos é maior que os rendimentos dos 33 milhões mais pobres; e que somente cinco famílias juntam mais dinheiro do que os 20% da população com menores rendimentos.
“Há no Reino Unido muitas bolsas de pobreza idênticas às bolsas de maior pobreza de países do Leste da Europa como a Lituânia, a Polônia e a Hungria”, afirma Charles Eden.
Por sua vez, 170 médicos assinam uma carta aberta publicada no jornal Lancet na qual escrevem que “o fantasma de Oliver Twist está de regresso, a fome cresce entre as crianças do Reino Unido”, onde os pais “são obrigados a procurar comida barata que enche, mas não alimenta”.
“Uma situação de emergência pública”, considera o Prof. John Ashton, um dos subscritores da carta.
O Partido Trabalhista, na oposição, fugiu a ligar a situação à austeridade limitando-se a atribuir as responsabilidades ao primeiro-ministro, David Cameron, “por ter oferecido um grande descida de impostos aos milionários”.
Fonte: Jornalistas sem Fronteiras