Laurindo Lalo Leal Filho: O jogo fora do campo

Respira-se futebol nos ares brasileiros e o aroma traz memórias longínquas. A mais remota é de um final de tarde de domingo. Meu pai desliga o rádio de cabeceira e comenta: “O Brasil perdeu”. A data: 16 de julho de 1950.

Por Laurindo Lalo Leal Filho

Por Laurindo Lalo Leal Filho

Nas páginas dos jornais e nas cabeças dos cartolas aquela Copa já estava ganha antes da final. O jogo com o Uruguai era só para comemorar o titulo e deu no que deu. Flávio Costa, técnico da seleção, concluiu: “o futebol brasileiro só evolui do túnel para dentro do campo”.

A nova derrota, quatro anos depois na Suíça, confirmou a impressão de que o nosso futebol necessitava de mudanças drásticas em sua organização. As medidas tomadas deram certo e o resultado veio com a conquista brilhante na Suécia, em 1958, repetida sem tanto brilhantismo no Chile, em 1962.

A euforia dessas vitórias dava o tri na Inglaterra como favas contadas. Os apetites dos eternos aproveitadores do futebol voltaram à tona. Todos queriam tirar uma casquinha.

Um exemplo: para contentar o maior número possível de clubes foram convocados para a fase preparatória 44 jogadores. Depois, como só podiam ir 22, escolheram dez do Rio, dez de São Paulo (os principais centros do futebol no pais), um de Minas Gerais e outro do Rio Grande do Sul (estados em ascensão futebolística). Critérios de convocação político-geográficos.

Com esse tipo de organização não passamos das oitavas. Lembro das fisionomias abatidas de Djalma Santos, Gylmar, Bellini, Zito e Garrincha, machucados, assistindo das cadeiras, ao lado da tribuna de imprensa, a derrota diante de Portugal, em Liverpool.

A volta ao Brasil foi emblemática. Encontrei a delegação no aeroporto de Londres, pronta para embarcar. Viríamos juntos num voo da Varig.

Minutos antes da partida somos chamados para um ônibus que nos leva à Brigthon, cidade turística localizada a cerca de cem quilômetros da capital. Lá é servido um demorado almoço seguido de um retorno sem pressa para o aeroporto.

Tudo para que as chegadas no Rio e em São Paulo ocorressem durante a madrugada, o mais longe possível da ira dos torcedores brasileiros.

Como já ocorrera após a derrota na Suíça, a remodelação foi total e a seleção se recupera de maneira grandiosa com a conquista no México, em 1970. Seguimos assim, com grandes sucessos e profundas decepções, até chegarmos a Copa de hoje.

Saem do túnel para o gramado jogadores de alta qualidade técnica num conjunto, às vezes, primoroso. Fora do campo nada mudou. Dirigentes ávidos por recompensas econômicas e políticas seguem controlando um dos maiores negócios comerciais do planeta.

A grande diferença neste 2014 é que está sendo possível separar, pelo menos para análise, o que se passa no campo dos malfeitos administrativos. Para isso a contribuição de jornalistas brasileiros e estrangeiros, fazendo investigações e publicando livros, tem sido determinante.

Cito dois exemplos, entre outras importantes publicações: “Um jogo cada vez mais sujo” do jornalista inglês Andrew Jennings e “O lado sujo do futebol”, dos brasileiros Luiz Carlos Azenha, Leandro Cipoloni, Amauri Ribeiro Jr. e Tony Chastinet.

Documentam as falcatruas milionárias perpetradas pelos dirigentes do futebol. No centro de muitas delas estão os acertos para garantir a determinadas emissoras de televisão os direitos de transmissão dos jogos.

São negócios bilionários que permitem à Fifa, por exemplo, manter uma reserva de 1,3 bilhão de dólares na Suíça, mesmo sendo uma organização sem fins lucrativos. Só da Copa da África do Sul a entidade levou livres de impostos 2,35 bilhões de dólares.

Guardadas as proporções várias federações nacionais seguem no mesmo padrão. Basta ver os salários pagos pela CBF aos seus dirigentes. Ao mesmo tempo o meia Alex do Coritiba, um dos lideres do Bom Senso F.C., lembra que depois do final dos campeonatos estaduais no Brasil cerca de 500 jogadores de futebol ficaram desempregados.

A esperança é de que uma nova vitória brasileira – diferente das outras vezes – não iniba as mudanças urgentes de que necessita o nosso futebol do campo para fora.

Laurindo Lalo Leal Filho, é sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP.