José Carlos Peliano: Como desvalorizar o que tem valor

É comum e usual ler as informações dispensadas pela mídia desde sua ótica, avassaladoramente crítica, parcial e, quase sempre, negativa. Ao leitor acostumado resta a tarefa de resgatar o trigo do joio esparramados sobre uma lavoura preparada artificialmente de maneira arcaica, conservadora e reacionária.

Por José Carlos Peliano*, na Carta Maior

índice de preços ao consumidor - Reprodução

Ao leitor desavisado ou àquele seguidor do atraso, resta-lhe acreditar ou permanecer na repulsa, no preconceito e na arrogância de ser mantida uma postura intransigente de procurar sempre por qualquer defeito, mesmo que sem importância, ou camuflar qualquer qualidade, ainda que substancial, de forma a continuar deixando de perceber os bons resultados e amplificando a insatisfação. E cultivar e mostrar aos quatro cantos os ares de uma supremacia ilusória e psicótica.

Em véspera de eleições presidenciais então a artilharia midiática se volta, se renova e se concentra mais e mais, uma vez mais pesadamente contra o governo, como de resto sempre fez a partir do ano de 2003 em que se dá início à administração popular que passa a dar as cartas no país.

Não é novidade alguma, portanto, ressaltar a atitude elitista da maioria dos meios de comunicação. Embora seja desgastante e aborrecido a leitura ou a escuta diária de notícias retorcidas, reviradas do avesso ou mesmo montadas para continuar a malhação, não a da novela da Vênus Platinada, mas a do país governado por quem eles não apoiam. E não admitem até hoje.

A mestra de boa parte dos economistas brasileiros, Maria da Conceição Tavares, em entrevista nesta Carta Maior dias atrás, disse que a economia brasileira não está deslanchando melhor por conta da crise mundial, em especial pela desaceleração da economia chinesa e pelos passos de tartaruga dos países da Zona do Euro e dos Estados Unidos.

Esse quadro tem provocado efeitos nefastos ao país, em especial sobre o volume de exportações, investimentos internos e externos, taxa de câmbio e inflação. Na medida de suas possibilidades, no entanto, a política econômica tem dado conta do recado. Consegue administrar a pressão dos preços e dos juros ao mesmo tempo em que consegue uma taxa baixa de desemprego e um cenário de atividade econômica que a mantém em nível de certa estabilidade. Sem caídas bruscas, sem distúrbios prolongados e sem recessão.

Explica a mestra que a economia brasileira vem reagindo bem à crise externa com a situação do mercado de trabalho sem maiores problemas, a fiscal perto dos limites definidos, a monetária sob controle administrado e a econômica indo devagar, mas expandindo onde pode e mantendo o mercado interno em ritmo compatível.

Já a mídia se anima sempre a informar exatamente pelo lado contrário. Ou seja, a economia brasileira não consegue se sair bem no mercado externo, perdendo terreno nas exportações e estourando as importações, porque a inflação escapa do controle, os investimentos secaram, a política fiscal está frouxa, o setor industrial parou de crescer e o salário mínimo está muito alto, aumentando os custos dos setores de atividade.

O candidato Aécio Neves e seu consultor econômico Armínio Fraga defendem “coincidentemente” os mesmos pontos de vista da grande mídia, especialmente quanto ao salário mínimo que o consideram alto demais, além do limite suportável dos empresários brasileiros. Para eles a falta de investimentos no país é culpa do pobre salário mínimo!!!

Um exemplo fresco retirado da ordem do dia. O Valor Econômico publicou em 18 de junho os resultados da pesquisa feita pela Serasa Experian. Assim, informa o jornal que a atividade econômica brasileira aumentou 0,3% em abril frente a março. Em comparação com o mesmo mês de abril de 2013 houve, porém, contração de 0,5%, a primeira nesse tipo de confronto desde outubro de 2009 – grifos nossos.

Ressalta-se, porém, o porém. É destacado com todas as letras nesta informação, da forma em que foi exposta, que ocorreu a primeira e única queda no indicador da atividade econômica mensal, anualmente comparada, no decorrer dos últimos 5 anos. Em outras palavras, para que o leitor marque bem em sua leitura, a notícia enfatiza que a economia brasileira tropeça e começa a voltar atrás depois de um largo período de expansão e/ou manutenção de seu vigor.

Destaca a notícia mais adiante que, no acumulado desse ano, o indicador desacelera de 1,9% até março para 1,3% até abril. Em doze meses, o indicador vem de março a março (2013/2014) com 2,5% e de abril a abril com 2%.

Novamente a retração da atividade econômica é retratada e destacada. Uma informação menos capciosa, porém, daria ênfase exatamente no contrário: depois de um longo período de 5 anos nos quais a atividade econômica vem se expandindo em certos períodos e se mantendo noutros, ocorre ligeira variação decrescente. Os próximos meses deverão sinalizar se a variação prossegue ou se se trata apenas de um distúrbio passageiro.

Ao final da notícia vêm os dados mais importantes. Eles deveriam na verdade ter aberto o texto. O fato de terem vindo no fim dá a conotação do jornal de os considerarem os menos importantes, o que na verdade não são.

O consumo das famílias cresceu 1,8% em abril sobre março e 2,1% sobre abril de 2013. Assim, o consumo familiar aumenta não só no primeiro quadrimestre do ano quanto no período de um ano expressando uma melhoria na disponibilidade de renda dos membros das famílias e por largo período. Sinais positivos.

Contraditoriamente à observação sobre a situação do consumo familiar, no entanto, a notícia enfatiza mais adiante que a retração da atividade econômica de menos de 0,5% se deve, entre outros fatores, à queda na confiança do consumidor. Como? Como pode cair a confiança do consumidor se aumenta o consumo familiar?!

Não se trata de dar contornos melhores as informações, apenas destacar o que elas verdadeiramente mostram. O fato de a grande mídia puxar sempre mais para o lado negativo, evidencia sim uma postura contrária ao governo.

Mais ainda, significa desvalorizar o que tem valor. E quando meias verdades são repetidas e amplificadas diariamente, elas acabam se tornando verdades por inteiro para o grupo reacionário e o dos menos iniciados na guerra midiática. Há um momento, no entanto, em que se começa a perceber que a realidade vivida é bem diferente do que a realidade noticiada. Apesar do peso enorme da grande mídia sobre os olhos e os ouvidos dos brasileiros. Não é a toa, por exemplo, que a Rede Globo vem perdendo audiência.

*José Carlos Peliano é economista.
Fonte: Carta Maior