Prensa Latina no Brasil, uma história de 55 anos

Em finais da década de 1950, no Brasil e demais países latino-americanos, os grandes meios de comunicação estavam nas mãos de oligarquias tradicionais. De uma maneira geral, todos os meios olhavam o mundo através dos olhos de umas poucas agências de notícias que se desenvolveram em função dos interesses dos países coloniais, ou do emergente império estadunidense.

Por Paulo Cannabrava Filho*

Site da Prensa Latina em português

No primeiro caso, as agências Reuters, com sede no Reino Unido, e France Press, com sua matriz na França. No segundo, disputando a hegemonia mundial, as agências estadounidenses Associated Press e United Press.

Materiais dessas agências ocupavam 90 por cento, em alguns casos até o 100 por cento do noticiário internacional, inclusive os textos de opinião, e em certos casos, até notícias sobre acontecimentos nacionais, o que era proibido.

É incrível, porém realidade: os meios de propriedade das oligarquias em Nossa América se comportavam (e continuam) como porta-voz oficiais dos países colonialistas e imperiais.

Essa desinformação ajudou o desenvolvimento de uma consciência distorcida sobre a realidade mundial e a própria realidade de nossos povos. Ontem como hoje, a imprensa hegemônica prisioneira de um pensamento único contrario aos interesses nacionais.

No Brasil, como em toda Nossa América, a saga heroica dos guerrilheiros e a vitoriosa Revolução Cubana, libertária e socialista, encheu de entusiasmo os corações dos democratas, socialistas e comunistas, principalmente da juventude. Era possível, não apenas um sonho, libertar-se do jugo imperialista.

Rompendo o monopólio

Fidel Castro, tão pronto assumiu o poder, consciente de que uma revolução não teria apoio mas sim inimigos nos meios, proclamou a necessidade de uma imprensa que defendesse os povos em sua luta pela democracia, contrapartida às campanhas diversionistas empenhadas em desfigurar a verdade.

Nos Estados Unidos, Eisenhower e logo Kennedy consideravam os países latino-americanos como seu quintal. Falar de independência, desenvolvimento integrado, planejamento da economia, soava como alinhar-se à União Soviética, país de economia planificada, antagônica aos de economia de mercado, liberal.

Em 1958, em um mundo polarizado entre Estados Unidos e a então União Soviética, o presidente brasileiro Juscelino Kubischek propõe a criação da OPA – Operação Pan-americana –, com o objetivo de unir os países da América em um projeto de desenvolvimento com mecanismos de financiamento.

Ele tinha rompido com o FMI por não concordar com o arrocho econômico e diminuição da dívida externa. Há uma sequência de fatos muito importantes e impactantes no calendário das Américas desse tempo.

Em 1960, foi inaugurada a cidade de Brasília para ser a nova capital do país. Nesse mesmo ano se cria o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Associação Latino-americana de Livre Comercio (ALALC). Em abril de 1961 Estados Unidos promove a invasão contra Cuba derrotada pelo povo e o exercito revolucionário em Playa Girón (Bahia de Cochinos).

Os brasileiros pudemos conhecer a realidade dessa vergonhosa derrota estadunidense através do trabalho (quase clandestino) de Prensa Latina (PL). Inconformado Washington, em lugar da OPA cria a Aliança para o Progresso e na sequencia consegue a expulsão de Cuba do Sistema Interamericano e obriga os governos submissos a romper relações com a ilha caribenha.

Os 20 bilhões de dólares em dez anos da Aliança significou que de cada dólar entrante saíram quatro para os Estados Unidos.

Prensa Latina no Rio de Janeiro

A Prensa Latina chegou ao Brasil no início de 1960 e se instalou no Rio de Janeiro, no Edifício Avenida Central, na avenida Rio Branco, principal rua do centro. O Rio já não era a capital do país. Era uma cidade-estado com o nome de Guanabara, governada por Carlos Lacerda, um furibundo direitista americanófilo. A Prensa Latina começou ali sob o comando do jornalista cubano José Prado que logo se fez acompanhar do brasileiro Aroldo Wall.

Em 1º de janeiro de 1961, Jânio Quadros assume a Presidência da República. O jornalista argentino Jorge Ricardo Masetti havia fundado, em junho de 1959, há poucos meses do triunfo da Revolução e com o apoio de Fidel Castro e Che Guevara, a Agência Informativa Latino-americana Prensa Latina, junto com jornalistas e intelectuais ilustres da região.

Masetti veio ao Brasil e realizou a primeiro entrevista com o novo presidente, no dia 5 de março, que teve uma grande repercussão.

Em meados de 1960, não me lembro da data nem da circunstância, encontro-me em São Paulo com Alberto Granados. Um tipo humano fascinante que tinha percorrido parte de Nossa América em motocicleta acompanhando o jovem médico argentino Ernesto Guevara de la Serna.

Conversamos muito e me perguntou se não gostaria de colaborar com a Revolução Cubana e me ofereceu trabalhar com Prensa Latina. Disse que falaria com Prado no Rio pois sabia que ele necessitava de quem lhe desse apoio em São Paulo.

Viajei ao Rio e conheci José Prado e Aroldo Wal. Regressei à casa com duas tarefas: fazer cobertura jornalística típica de agência: revisar os jornais do dia, fazer o primeiro cast com resumo dos principais acontecimentos, entrevistas, receber e propor temas para reportagens. Outra, levar material de Prensa Latina aos meios de comunicação, tentar conseguir a instalação de teletipos nas redações.

Tarefa difícil. O único contrato que se conseguiu em São Paulo foi com Ruy Mesquita, um dos proprietários do conservador diário O Estado de S.Paulo. Publicava especiais, principalmente os assinados por intelectuais. Outros diários, como Diário de São Paulo, Última Hora (de Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Curitiba e Porto Alegre) e Folha de São Paulo, além de Terra Livre e outros do Partido Comunista, adquiriam especiais de PL, as reportagens ilustradas.

O Diário de São Paulo, de Assis Chateaubriand, dono da maior cadeia de jornais, revistas, emissoras de radio e televisão jamais vista, tinha jornais e rádios em vinte Estados. Seus veículos mostravam o mundo visto pelas agências AP, UPI e France Press.

A publicação de materiais de Prensa Latina em São Paulo teve grande repercussão nos demais jornais. Essa rede entrou em decadência a partir dos anos 1970.

Com mais intensidade depois de Girón, os jornalistas e intelectuais, líderes dos movimentos estudantil e sindical, queriam saber mais sobre Cuba e buscavam informação com os correspondentes da PL. E isso foi se generalizando ao mesmo tempo que nomes importantes do jornalismo nacional começaram a colaborar com seus textos.

Renúncia de Jânio Quadros

Menos de oito meses da posse, em 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou provocando um grande trauma nacional, aproveitado pela direita para perpetrar um golpe de Estado. Dez dias antes, o presidente tinha recebido e condecorado o ministro da Indústria de Cuba, Ernesto Che Guevara, que representara a ilha na reunião Comitê Interamericano Econômico e Social (CIES) celebrada em Punta del Este, Uruguai.

O histórico discurso do Che, denunciando as intenções dos Estados Unidos, divulgado pela PL teve um grande impacto e colocou a direita brasileira contra o novo presidente.

Em 28 de agosto, Carlos Lacerda com suas tropas e polícia e seus mercenários, provocaram o caos no Rio, com invasão de sindicatos, prisão ilegal de comunistas e líderes populares. Prensa Latina ficou sem comunicação e Prado teve que se esconder e voltar à Havana para não ser preso.

Aroldo Wall, com a ajuda de Ruy Mauro Marini, do Rio, me instruiu a conectar-me com os companheiros da PL em Montevidéu e me encontrei informando passo a passo os acontecimentos que culminaram com a sublevação de população do Rio Grande do Sul e do 3º Exército, que liderada pelo governador Leonel Brizola frustrou a tentativa de golpe e garantiu a posse do vice-presidente eleito, João Goulart, carinhosamente chamado por seu povo de Jango.

A democracia de Jango

Goulart tomou posse sob o regime parlamentarista imposto pelos golpistas e um Congresso tradicionalmente conservador. Não demorou muito para regressar ao regime presidencialista aprovado por Plebiscito nacional.

A democracia de Jango durou pouco, mas garantiu grande avanço e fortalecimento do movimento sindical, operário e camponês. Radicalizam-se as reivindicações pelas Reformas Estruturais e também deu tempo para a reorganização da direita, patrocinada pelos Estados Unidos e empresários e políticos submissos.

Em novembro de 1963, na Reunião Ministerial do CIES em São Paulo, a posição brasileira se opunha a dos Estados Unidos. Um único jornal, A Nação, defendeu a delegação brasileira. Esse jornal e a rede de televisão do grupo Simonsen, por ser democrático, foram destruídos pela ditadura assim como o diário Última Hora, de Samuel Wainer, aliado dos trabalhistas.

Todos os demais jornais do país apoiaram os golpistas e se enriqueceram e cresceram protegidos pela ditadura de 1964 a 1988.

A visão que o mundo tinha do Brasil era dada por uma oligarquia frustrada e vendida que se opunha à emergência dos movimentos populares e as transmitidas pelas quatro agências internacionais de notícias.

A única versão correta e ética dos fatos era dada pelos jornalistas comprometidos ou afins com Prensa Latina ou pequenos meios alternativos sem expressão nacional.

Este recontar da história é importante porque hoje se repete o mesmo roteiro em outros cenários. Porém, com os mesmos os personagens: as oligarquias submissas, as potencias coloniais decadentes e o império hegemônico que se opõem aos avanços em favor da democracia e do bem-estar do povo.

Quando a direita militar se impõe e desfecha o golpe contra o governo de Goulart, nesse mesmo 1º de abril de 1964, a Prensa Latina no Rio é de novo empastelada. A sanha direitista, civil e militar, começa uma implacável perseguição a tudo o que lhes cheirasse a comunista ou nacionalista, trabalhista ou antiestadunidense.

Simultaneamente, rompem relações com Cuba e expulsam a delegação da República Popular da China.

Prado, que tinha retornado ao Rio em 1963, ficou pouco tempo e saiu antes do auge da repressão. Aroldo Wall se refugiou em minha casa em São Paulo e começa o longo e árduo trabalho de organizar sua saída do país.

Prensa Latina regressa ao Brasil, depois da Constituinte de 1988, com um correspondente no Rio de Janeiro e mínimos recursos para trabalhar. Agora está instalada em Brasília. A agência está melhor estruturada, com correspondentes em mais de 30 países do mundo e panos de expansão. Oferece uma cobertura única sobre os avanços dos povo que conquistaram e têm governos progressistas, democráticos e antimperialistas.

Com 55 anos de existência, Prensa Latina é fonte indispensável para os meios de comunicação alternativos, publicações na Internet e redes sociais que ganham grande impulso em todo o mundo, particularmente na América Latina.

Não obstante, a PL continua enfrentando, no Brasil, as mesmas dificuldades para se impor no que agora se conhece como mercado da informação, antes propriedade de famílias oligárquicas e agora em mãos de grandes corporações que têm como principal objetivo o lucro e a defesa da economia liberal de mercado.

A informação deixa de ser serviço público para atender a um direito humano e passa a ser vendida como commodities.

Os meios de comunicação independentes, alternativos, sobrevivem com grande dificuldade, mas, cresce na população a consciência de que são vítimas do monopólio midiático, de pensamento único e alienante.

Essa consciência resultou na realização da Conferência Nacional de Comunicação – Confecon – que sistematizou e organizou a luta pela democratização das comunicações.

Pela primeira vez na história, no governo de Luís Ignacio Lula da Silva, criou-se um Sistema Nacional de Comunicação. Porém, ainda falta muito que fazer para avançar.

*Editor da revista digital bilíngue Diálogos do Sul, presidente honorário da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual dos Jornalistas e membro do Conselho da Associação Brasileira de Anistiados Políticos. Trabalhou em Prensa Latina de 1960 a 1964 e em Radio Havana Cuba entre 1968 e 1969. Foi editor e correspondente em La Paz, Bolívia entre 1970 e 1972, editor no diário Expreso, de Lima, Peru, de 1973 a 1977 e responsável pela comunicação na Bureaux Panamenho da Comissão de Negociação dos Novos Tratados do Canal do Panamá entre 1977 e 1980.

Fonte: Diário Liberdade