Voto em branco, nulo e abstenção eleitoral: a nova oposição 

Ainda que se considere legítimo o aumento dos tipos de voto em questão, bem como da mera abstenção eleitoral, é crucial que o eleitor perceba as consequências dessa forma de participação política. O distanciamento político-eleitoral não necessariamente implica a obrigatoriedade de revisão do atual modelo político, de modo que o que se visa combater pode igualmente ser fortalecido quando o eleitorado afasta-se das urnas e do debate político como um todo.

Thiago Vidal* 

Ao longo das últimas três eleições (2002, 2006 e 2010), o "não voto" parece ter emergido como umas das principais vozes de oposição. Trata-se de uma negativa conferida por parte do eleitorado aos modos usuais de se fazer política, abarcados, neste caso, tanto os partidos e candidatos quanto o próprio modelo de representação em si. O "não voto" manifesta-se, comumente, na forma do voto em branco ou nulo ou por meio da abstenção eleitoral, e contribuem para o seu crescimento três variáveis: 1) o descrédito do eleitorado em relação aos partidos políticos e aos candidatos; 2) os altos índices de percepção da corrupção; e 3) a ideia equivocada de que o voto em branco ou nulo, se iguais ou superiores a 51% dos votos, invalidam o processo eleitoral.

Quanto à primeira variável, é importante ressaltar que ela tangencia dois cenários: a reprovação à política de forma geral, o que inclui tanto os partidos governistas quanto os de oposição; e a falta de confiança, especificamente, em relação a partido(s) e/ou candidato(s) que possa(m) servir como alternativa àquele(s) que se encontram no poder. A última pesquisa Datafolha, publicada em 6 de junho, reforçou esses dois quadros ao mostrar que, dos três atuais principais candidatos à Presidência da República, Dilma Rousseff possui 35% de rejeição e Aécio Neves e Eduardo Campos, 29% cada.

O desejo de que as ações do próximo presidente sejam diferentes das da atual ocupante do cargo foi compartilhado por 74% dos eleitores; 21% deseja que as ações de ambos sejam iguais e 5% não opinaram. Quando se questionou quem seria mais apto a promover mudanças no Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff, juntos, somaram 51% – 35% e 16%, respectivamente. Já o senador Aécio Neves registrou 21% e o ex-governador Eduardo Campos, 9%.

Ainda que os principais candidatos de oposição tenham registrado índices superiores aos da presidente da República, percebe-se que o mais apto a realizar mudanças é justamente um virtual candidato do mesmo partido de Dilma Rousseff, o que coloca em xeque a confiança do eleitorado em partidos oposicionistas. Significa dizer que, ainda que os eleitores reprovem o status quo, não enxergam os principais quadros da oposição como os mais capazes de promover mudanças no País.

O segundo ponto que pode explicar a tendência de crescimento dos votos brancos e nulos e das abstenções recai sobre a percepção acerca da corrupção: em 2013, o Brasil se manteve estável no Índice de Percepção da Corrupção, pesquisa promovida pela Transparência Internacional, ONG cujo principal objetivo é a luta contra a corrupção. Entre os 177 países avaliados, o Brasil alcançou a 72ª colocação em 2013, com 42 pontos – pontuação inferior a países como o Chile (72), Uruguai (73), Canadá (81) e Estados Unidos (73), e considerada baixa para um país de alta relevância global como o Brasil.

Tal percepção, aliada ao descrédito nas instituições, reverte-se na descrença na própria política, afastando os eleitores do debate em torno de temas cruciais ao País e os levando a procurar outras formas de representação que não as mais tradicionais. Em termos concretos, esse afastamento resulta em um alarmante aumento no número de votos brancos e nulos, que só não são maiores que os altos índices de abstenção nas urnas. Em 2010, por exemplo, 18,12% (24,6 milhões) dos eleitores não votaram. Já os votos brancos atingiram 3,13% (3,4 milhões) naquele ano. Os votos nulos, apesar de estarem em constante queda se analisadas as últimas três eleições, registraram 5,51% (6,1 milhões).

A despeito do alarde, o descrédito quanto ao modo como a política é praticada atualmente, materializado nos índices supracitados, não é característica particular ao Brasil. Na Colômbia, por exemplo, onde no dia 15 de junho foram realizadas eleições presidenciais, 4,03% dos eleitores (619.362) anularam seus votos, enquanto que, em virtude da não obrigatoriedade do sufrágio naquele país, 53% dos eleitores sequer votaram. Nas eleições presidenciais francesas em 2012, o índice de abstenção foi de 18,97%, enquanto que votos brancos ou nulos registraram cerca de 6%.

O terceiro fator determinante para o crescimento de votos brancos e nulos recai sob a falsa alegação – fundamentada no artigo 224 do Código Eleitoral – de que tais tipos de voto, se superiores a 51% do total de votos, provocariam o cancelamento e remarcação do pleito eleitoral. Parte do eleitorado, movido por angústias e desgostos em relação à política, vale-se desse argumento como forma de protesto. A confusão, fruto da má informação, decorre do fato de que, antigamente, quando as eleições eram realizadas com o uso de cédulas de papel, era comum cédulas inicialmente preenchidas em branco serem fraudadas para favorecer determinado candidato. Assim, recorria-se à rasura da cédula como forma de anulação do voto.

Ocorre que, segundo o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a "nulidade a que se refere o Código Eleitoral decorre da constatação de fraude nas eleições, como, por exemplo, eventual cassação de candidato eleito condenado por compra de voto". Assim, o TSE é taxativo ao afirmar que, na prática, os votos nulos assumem a mesma conotação dos votos brancos, já que não entram no cômputo de votos válidos.

Percebe-se, portanto, que as três variáveis citadas têm como denominador comum a insatisfação popular em relação às formas tradicionais de se praticar a política, de modo que, quando forçados a comparecerem às urnas, os eleitores descontentes não têm outra alternativa que não a anulação do voto, haja vista que nenhum partido ou candidato, de forma geral, é digno de sua confiança. Por um lado, analisando-se esse contexto sob o prisma da insatisfação social, tal prática parece fazer sentido, de modo que seria injusto condenar o voto em branco como forma de ação política ou de protesto.

O que se pode questionar, por outro lado, é justamente a racionalidade do voto em branco ou nulo, bem como da abstenção nas urnas, uma vez que, além de não serem computados como votos válidos, tais tipos de voto podem, muitas vezes, favorecer determinado candidato cuja vitória não seria, num primeiro momento, bem aceita por aquele eleitor. Consequentemente, a adoção do voto em branco ou nulo, ou até mesmo a abstenção, torna-se muito mais um instrumento de descaso e de inação política do que propriamente uma forma de manifestação.

É imperativo, todavia, que os candidatos a cargos eletivos utilizem as atuais estatísticas eleitorais para tentar entender exatamente que mudanças o eleitor gostaria de ver e, principalmente, o perfil do candidato que melhor atende às demandas do eleitorado. Mas se o problema não está nos candidatos ou partidos, e sim no sistema político brasileiro como um todo, é igualmente importante que se busque compreender o desejo da população quanto a essa problemática, haja vista que tem sido comum o afastamento da população em relação às formas tradicionais de representação, mas não necessariamente da política em si – ainda que esta, como nós a conhecemos, também tenha sido prejudicada.

O crescimento do voto em branco, nulo e da abstenção eleitoral, portanto, parece sugerir que o eleitorado encontrou no distanciamento das instituições a resposta para manifestar o seu descontentamento ante a um modelo que, insistentemente, tenta sugerir candidatos e propostas cujas bases de sustentação política não têm consonância com o que, de fato, quer e pensa o restante da população. Bases essas que, de forma geral, não possuem consideráveis diferenças entre si, daí a dificuldade de o eleitor considerar a tradicional oposição, seja ela qual for, como realmente apta a representá-lo perante os atuais governantes.

Trata-se de um fenômeno mundial, que abarca sistemas políticos diversos e diferentes entre si. E é justamente em virtude do aumento desse descontentamento em modelos distintos, traduzido na forma do aumento de votos brancos, nulos e da abstenção eleitoral, que sua prática se torna ainda mais preocupante, uma vez que poucos são os sistemas políticos que têm sido capazes de conter tamanho esvaziamento institucional.

Por fim, ainda que se considere legítimo o aumento dos tipos de voto em questão, bem como da mera abstenção eleitoral, é crucial que o eleitor perceba as consequências dessa forma de participação política. O distanciamento político-eleitoral não necessariamente implica a obrigatoriedade de revisão do atual modelo político, de modo que o que se visa combater pode igualmente ser fortalecido quando o eleitorado afasta-se das urnas e do debate político como um todo.

* Bacharel em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) e assessor legislativo da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical.