Por que a vanguarda do capitalismo começa a falar em desigualdade?
No início deste ano, a maneira mais confiável para um bilionário aparecer nas manchetes era comparar a sugestão de aumento de impostos com a Alemanha nazista. Ultimamente, porém, a mudança mais interessante na política da plutocracia tem sido mais gentil.
Publicado 30/06/2014 17:39

Haverá mais analogias a Hitler, é claro, mas um outro grupo entre o super-ricos está começando a ir no sentido oposto. Alguns plutocratas aceitam a evidência de que o capitalismo não está mais funcionando para a classe média, e estão tentando descobrir o que fazer sobre isso.
Agora não é apenas George Soros, o bilionário de fundos especulativos, que alegremente se descreve como um traidor da classe e que tem se preocupado com as deficiências do que ele chama de fundamentalismo do livre mercado por décadas. Entre os plutocratas, esta perspectiva outrora radical está se popularizando.
Pôde-se ver isso em Londres, no final de maio, em uma conferência sobre “capitalismo inclusivo”. Nos graciosos salões dourados do Guildhall, a sede histórica da cidade, um dos dois centros do mundo das finanças, os investidores internacionais que controlam US$ 30 trilhões em capital – um terço do total global – se reuniram para discutir, como disse Paul Polman, CEO da Unilever, “a ameaça capitalista ao capitalismo”.
Polman e Lynn Forester de Rothschild, organizadora da conferência, escreveram em um ensaio introdutório que o capitalismo “muitas vezes provou ser disfuncional em aspectos importantes. Muitas vezes incentiva uma visão estreita, contribui para grandes disparidades entre os ricos e os pobres e tolera o tratamento irresponsável de capital ambiental. Se esses custos não podem ser controlados, o apoio para o capitalismo pode desaparecer”.
Isso foi apenas a abertura. A discussão iniciou com Fiona Woolf, a prefeita do distrito financeiro da cidade de Londres, que alertou que o capitalismo precisa ser “para todos, e não apenas para uns poucos privilegiados”. Em seguida foi o príncipe Charles – sim, aquele príncipe Charles – que falou que o triunfalismo do capitalismo quando a União Soviética entrou em colapso tinha sido um erro e que “o trabalho a longo prazo do capitalismo é de servir as pessoas, e não o contrário”.
O discurso de abertura da manhã foi feito por Christine Lagarde, diretora executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ela citou tanto a previsão de Karl Marx de que o capitalismo “carregou as sementes de sua própria destruição”, e a caracterização do Papa Francisco sobre a crescente desigualdade como “a raiz do mal social”. Ela pronunciou-se contra a reação favorita dos centristas sobre o aumento das desigualdades, “que, em última instância devemos nos preocupar com a igualdade de oportunidades, não a igualdade de resultados”. O problema, disse a senhora Lagarde, é que essa oportunidade nunca poderá ser igual em uma sociedade profundamente desigual. Ela pediu mais sistemas tributários progressivos e maior uso do imposto sobre a propriedade.
Estas prescrições podem ser naturalmente esperadas dos populistas que levaram Bill de Blasio à prefeitura de Nova York após 12 anos de reinado plutocrático de Mike Bloomberg ou dos partidários de Elizabeth Warren, a senadora liberal de Massachusetts. Mas elas vieram da diretora executiva do FMI, cuja organização tem sido a vilã na visão de mundo do movimento anti-globalização, o cérebro diabólico da “doutrina de choque” da plutocracia para dominar o planeta.
Essa narrativa ainda está bem viva – Lagarde recusou um convite para ser palestrante no início deste ano no Smith College depois que alunos e professores reclamaram que ela não deveria ter sido convidada porque o FMI era “um sistema corrupto” que alimenta a opressão e o abuso de mulheres em todo o mundo.
No Guildhall, o dia terminou com o discurso do orador principal da noite, um dos arquitetos e fiscalizadores do capitalismo global, Mark Carney, governador do Banco da Inglaterra. Ele disse que o aumento da desigualdade de renda era real e internacional: “No seio das sociedades, praticamente sem exceção, a desigualdade de resultados, tanto dentro de uma geração como intergeracionalmente, tem comprovadamente aumentado”. Ele refutou o argumento centrista popular que isso tem a ver com meritocracia: “Agora é a hora de ser famoso ou de ter sorte”. E ele avisou, com uma linguagem forte, que o sistema capitalista estava em risco: “Assim como qualquer revolução come seus filhos, o fundamentalismo de mercado sem controle pode devorar o capital social essencial para o dinamismo de longo prazo do próprio capitalismo”.
O espetáculo de plutocratas comendo risoto porcini em uma mansão georgiana e lamentando os excessos do capitalismo clama pela ironia de Tom Wolfe – um comentarista britânico foi nessa direção ao satirizar que a reunião teria sido mais apropriadamente chamada de um encontro sobre o “capitalismo exclusivo”.
Mas esse foi precisamente o ponto – e por que a conferência, e a tendência mais ampla é parte da questão. A maior parte da conferência “Capitalismo Inclusivo” não foi registrada, mas os participantes foram nominalmente convidados da plutocracia global, incluindo Eric Schmidt, presidente executivo da Google, Stephen Schwarzman, co-fundador e CEO da Blackstone, e os CEOs das companhias UBS, GlaxoSmithKline, Dow Chemical e Honeywell.
Há outros sinais dessa mudança. As finanças sociais, que levam em conta os objetivos sociais e ambientais, está se movendo de um nicho pequeno para a maioria – US$ 1 trilhão foram investidos em fundos de financiamentos sociais nos Estados Unidos em 2012, um aumento de cinco vezes de US$ 202 bilhões em 2007. Sallie Krawcheck, uma ex-executiva sênior do Citigroup e do Bank of America, em junho abriu um fundo de índice focado em empresas com um maior número de mulheres em cargos superiores e em seus conselhos de administração. Ela disse que o objetivo é ter um impacto social e ao mesmo tempo ganhar um retorno de investimento justo. Alguns outros líderes empresariais, em indústrias que não são consideradas como tendo muita consciência social, estão começando a apoiar políticas públicas que elevariam seus custos no curto prazo. Eles incluem o CEO do McDonalds, que em um discurso pouco notado, em maio último, disse que o “McDonald’s vai ficar bem” se o salário mínimo subir.
Fonte: Diario do Centro do Mundo, do original no Politico