Francis Paula Corrêa Duarte: Da leitura de mundo à consciência humana
Por Francis Paula Corrêa Duarte*, para o Vermelho ter a consciência de que o processo de leitura e escrita é contínuo e que, diariamente, nos apropriamos e desenvolvemos saberes diversos: seja numa sala de aula ou numa “leitura de mundo”, mas e aquele que se torna um alijado de tais processos? E aqueles que nunca lhes foi dado ou não tem consciência de tal direito?
Por Francis Paula Corrêa Duarte*, para o Vermelho
Publicado 11/07/2014 12:49
Autoras como Di Pierro e Galvão veem o cidadão sem o domínio da leitura e da escrita como um ser abstrato, alienado e amorfo, porém se esquecem de suas experiências de vida, saberes pessoais e que antes mesmo do processo de aquisição da leitura e escrita, são excluídos por questões sociais, familiares e tornam-se “cegas” por um sistema que oprime e domina.
A leitura não deve ser restrita a um mero decifrar das letras e da escrita, uma vez que o processo de aprendizagem é uníssono a uma formação global e que envolve um convívio e uma atuação social, política e cultural, principalmente.
A inserção no universo letrado mostrou-se ao longo da história como desigual e, muitas vezes, como algo impositivo ou obrigatório e que a partir da educação como um direito, ler faz-se reconhecer o ser como humano e detentor do direito de crítica e reflexão.
Ao longo dos séculos, compreendeu-se que ler e escrever significaria o depreender de bases adequadas para a vida e que o processo de educação não eram apenas aptidões meramente intelectuais, mas sim uma integração de elementos que permitiriam ao homem sentir-se parte integrante da sociedade, inserido efetivamente.
O processo de aquisição da leitura e da escrita, sob essa júdice, desenvolveu-se como essencial na formação das pessoas, mas, por vezes, muito se subestimou a construção de uma postura atenta e crítica em relação às ideias e informações que se obtém por meio dos textos, ou seja, muitos leem, mas raramente o fazem por prazer, valorizam a leitura apenas como apresentação de meras informações e não para crescimento pessoal.
As pessoas que não conseguem concernir ideias e atitudes coerentes com que estão engajadas mostram-se como objetivos de consumo, alienadas, incapazes de concepções críticas da realidade, deixam-se levar pela mídia que busca produzir meros consumidores, sejam de produtos ou informações alienantes.
No pensamento proposto por Freire, a leitura não se descreve como um processo memorizador, mecânico, em que a mera repetição das palavras, ausente de compreensão de seu sentido, da realidade, se concretiza, mas a leitura exige reflexão, diálogo, participação coletiva no sentido de buscar a conhecer a realidade e criar possibilidades de transformá-la.
A leitura nesse olhar, se projeta como um processo dialético, em que estão envolvidos educador e educando construindo momentos de reflexão sobre a realidade, de modo que no momento que se efetiva a possibilidade de educar o adulto, esse processo de aquisição da leitura deve ter o olhar político e social que ele requer, e nessa perspectiva:
A construção da leitura da palavra antecedida pela leitura do mundo permite ao homem transformar sua consciência, de acordo com o quadro descrito em sua realidade, e assim requer uma pesquisa de universo vocabular no sentido de conjuntamente, promover um ensino, de acordo com a realidade que se vivencia.
O ato de ler mostra-se como uma interpretação, em que a necessidade de compreensão e aprendizado se projeta por meio de inúmeras variações que leva o sujeito a dar significado pessoal e interpretar a realidade de acordo com o seu conhecimento. Pensa-se que o êxito da leitura dependerá do modo como o leitor e a produção escrita é realizada, e assim construir o significado da leitura de acordo com o texto descrito expresso num olhar sobre a realidade.
Dessa forma, o que se almeja alcançar com uma leitura crítica é a formação de um leitor que seja capaz de ultrapassar os limites pontuais de um texto e incorporá-lo reflexivamente no seu universo de conhecimento de forma a levá-lo a melhor compreender seu mundo e seu semelhante. Ou seja, não é uma tarefa de juntar uma palavra à outra, ao contrário, deve ser algo que contribua para a inserção do indivíduo na sociedade, fazendo do mesmo um ser crítico capaz de tentar transformar a realidade em que vive, como ressalta a autora Maria Helena Martins:
Em um mundo de signos, ler é condição primordial para uma participação efetiva na sociedade, já que a leitura propõe as bases para as aprendizagens múltiplas e a escola, centro das atividades do conhecimento, torna-se um dos instrumentos de poder e de transformação na sociedade. O ato de ler traz em si uma complexidade tal qual sua amplitude, na medida em que a leitura é concebida como um ato de desvendar, ou seja, ir além dos códigos linguísticos, saber fatos que nos rodeiam, ou seja, ler o mundo.
Notas da autora: GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; DI PIERRO, Maria Clara. Preconceito contra o analfabeto. Editora Cortez, SP. 2007.
* Mestrada da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pós-graduada (Especialização) em Saberes e Práticas da Básica em Educação de Jovens e Adultos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (2013)