As derrotas na Copa das Copas e a ganância dos donos do dinheiro

O fiasco da seleção brasileira de futebol na Copa das Copas, encerrada domingo (13) com a conquista do tetracampeonato mundial pela Alemanha, tem servido de catalisador para um debate necessário

Por José Carlos Ruy
 

Futebol e dinheiro
É um debate que está, faz algum tempo, atravessado na garganta dos brasileiros: a questão do despudorado poder que o grande capital e os interesses privatistas tem sobre o esporte. Principalmente sobre o mais popular deles, o futebol.
 
O Brasil é uma potência no futebol desde, pelo menos, 1950, quando perdeu a Copa do Mundo para o Uruguai no Maracanã mas sagrou-se vice-campeão. 
Era uma época de futebol romântico… Naquela época, há mais de meio século, era uma atividade desportiva de interesse realmente privado, independente do governo e, sobretudo, do grande capital e da ganância do lucro especulativo. 
Isso mudou, e muito. Na Copa do Mundo de 1958 os jogadores – que são os verdadeiros donos, autores e protagonistas do show – ainda tinham autonomia e oportunidade para intervir diretamente no espetáculo. Foi naquela seleção vitoriosa que, por iniciativa do gênio dos jogadores brasileiros, surgiu, por exemplo, o famosíssimo esquema 4-3-3, logo imitado por clubes e seleções mundo afora. Coube ao bonachão técnico Vicente Feola acatar, com espírito democrático e esportivo, a iniciativa de seus comandados que trouxeram, pela primeira vez, a Copa para o Brasil.
 
O negócio em que o futebol se transformou quase meio século depois não admite mais tal comportamento e tamanho acatamento da criatividade dos jogadores. O dinheiro envolvido faz superar, de longe, o velho espírito esportivo. Agora, vitória no gramado significa dinheiro, muito dinheiro, e não apenas a glória de vencer. 
 
Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas revelou que o futebol movimenta, no Brasil, 16 bilhões de reais por ano. Um dos aspectos desse negócio, que cresce ano a ano, é a exportação de jogadores para o exterior, principalmente para a Europa. Dados do Banco Central revelam o tamanho desse negócio de “exportação”: ele fatura mais de 440 milhões de dólares ao ano, superando produtos como banana, maçã ou uva. Desde 1993, quando o Banco Central passou a computar esses valores, já são mais de dois bilhões de dólares!
O alarde gerado pelas propostas feitas pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, e pela presidenta Dilma Rousseff, está intimamente ligado ao tamanho desses interesses bilionários. São anunciantes, patrocinadores, redes de televisão (sobretudo a Rede Globo, que chega a ter o poder de determinar horários e dias de jogos de futebol mais convenientes para a cobertura televisiva…), publicidade, a valorização (e também a desvalorização) de jogadores que podem ser vendidos por milhões para times estrangeiros, etc., etc., etc.
 
As intervenções de Dilma Rousseff e Aldo Rebelo neste debate precisam ser avaliadas com seriedade. O futebol brasileiro, principalmente a seleção canarinho, tem sido apropriado por interesses privatistas típicos do neoliberalismo hegemônico das últimas décadas. A Lei Pelé (adotada em 1998, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso), que regula o esporte, é um fruto característico desta mentalidade predatória que afasta o Estado e seu poder de proteção e dá lugar unicamente para a teologia do Deus mercado. A Lei Pelé afastou qualquer chance de intervenção pública que signifique proteção contra a pilhagem do capital (contra os trabalhadores do esporte, que são os jogadores, e também contra o público torcedor). Ela entregou o esporte à sanha privatista dos interesses dos donos do dinheiro que exploram símbolos nacionais, como o verde-amarelo de nossa bandeira, e o sentimento popular mobilizado pelas disputas esportivas, para multiplicar sem controle os seus investimentos, fugindo muitas vezes ao controle da própria Receita Federal.
 
O ministro e a presidenta falam na necessidade de renovação e modernização do futebol. A mídia patronal imediatamente colocou-se na ofensiva, liderando os brados contra o que chama de “estatização” e “intervenção”. Um exemplo foi o editorial publicado, nesta segunda-feira (14), pelo jornal Valor Econômico, que saiu em defesa da Lei Pelé, rejeitando qualquer intervenção governamental nesta área que o editorialista considera “privada”.
 
É uma choradeira que só o enorme volume de dinheiro envolvido ajuda a entender. Há interesse público – e, é preciso reconhecer, educacional – na prática do esporte. Ele exige a colocação de um dique contra a comercialização pura e simples do esporte. Nesse sentido não se pode aceitar a transformação do esporte em mercadoria regida apenas pelas leis do mercado e pela liturgia do lucro e do dinheiro.

A ação proposta por Aldo Rebelo precisa, assim, ser apoiada. O governo quer, disse ele, “recuperar a capacidade de fiscalizar o que há de interesse público e de interesse nacional na administração do esporte”. O ministro assegura que este é “um esforço para rediscutir esse tema e retomar o protagonismo do esporte brasileiro. Temos pouca ingerência na regulamentação principalmente da gestão dos clubes e acho que precisamos ter alguma presença. Não para nomear dirigente, interventor, mas para que em determinadas situações o Estado possa preservar o interesse nacional e público”, disse.
 

Aldo repete a presidenta Dilma Rousseff quando defende a regulação da venda de craques nacionais para times estrangeiros. “O Brasil não quer continuar exportando jogadores de futebol”, disse a mandatária. Um dos grandes problemas postos na mesa, disse Aldo, é o que chamou de "colonialismo futebolístico"; há inclusive maneiras de burlar a lei para exportar jogadores que, devido à idade, não podem ser vendidos. “Nossa legislação impede que essas crianças sejam tratadas profissionalmente”, disse. “Não podem permanecer nos departamentos dos clubes e vão para a Europa em busca de condições melhores oferecidas aos pais. A Fifa proibiu transferências de menores de 18 anos, mas os clubes contratam os pais dos jogadores, e você não pode proibir que o filho acompanhe o pai”. Este é o “colonialismo futebolístico”, explicou. 
 
As duas derrotas da seleção brasileira na semana final da Copa das Copas (os 7 a 1 obtidos pela Alemanha e os 3 a 0 sofridos ante a Holanda) resultam da troca do futebol-arte, que sempre caracterizou os brasileiros, pelo futebol-mercadoria que passou a prevalecer sob a hegemonia da busca do lucro para satisfazer o grande capital. A cobrança da conta dessas derrotas inéditas para o futebol brasileiro não pode ser apresentada aos jogadores da seleção canarinho. Quem deve pagar por ela são aqueles que, sentados no trono dos interesses privados, administram o esporte de olho não no placar mas na caixa registradora. E, como sempre ocorre, o papel legítimo que cabe aqui ao Estado é o de fiscalizar para defender aqueles cuja atividade pode gerar lucros contra a ganância avassaladora dos donos do dinheiro.