Com Marina Silva, avanços do setor audiovisual correm riscos

Os ataques ao setor cinematográfico brasileiro em lugar de propostas são uma das nódoas do “Programa de Governo” da candidata Marina Silva. Ao nominar os destinatários, o documento rebaixa o debate e traz o alerta para a possibilidade de retrocessos depois de uma árdua luta que possibilitou avanços significativos no setor.

Por Osvaldo Bertolino*

I Encontro de Audiovisual Jovem

Infelizmente, nas campanhas eleitorais brasileiras as torpezas ainda são moeda corrente. Muitas vezes, as falsidades eleitoreiras ocupam o lugar do debate franco, leal, como deveria ser sempre em uma democracia digna desse nome. Foi assim que o “Programa de Governo” da candidata Marina Silva se reportou ao setor audiovisual ao definir sua “situação” como “problemática” — provocando reação crítica do setor e preocupações sobre a possibilidade de retrocessos caso o ciclo de avanços seja interrompido.

Segundo o texto, o problema não é o investimento, cuja maior parte está garantida pelo Estado, de forma direita ou indireta. O texto responsabiliza o órgão encarregado da política cinematográfica brasileira, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) pelo que considera pequena frequência da população às salas de cinema — vinte milhões em um ano. E pontua que “as estatísticas escamoteiam a realidade” ao contabilizar frequentadores que vão ao cinema com regularidade sem levar em conta essa realidade. “Portanto, o número oficial de entradas não corresponde ao de pessoas que frequentam salas de cinema”, critica.

Para o “Programa”, a “problemática” decorre, em parte, do fato de a Ancine ter concentrado em poucas mãos o poder decisório sobre a política cinematográfica brasileira. “Há um presidente com mais poderes que um ministro, e os demais diretores representam um único partido político”. As diatribes ganham intensidade quando o texto envereda pela falácia da falta de transparência, fechando a sucessão de acusações lançadas sem fundamentações, difíceis de entender, defeituosas na lógica e contrárias aos fatos, ou tudo isso ao mesmo tempo. Ao fim e ao cabo, fica-se sem entender o que realmente se quer dizer. É um mistério, como a feira de Acari.

As coisas por trás das coisas

É preciso, como se diz, ver as coisas que estão por trás das coisas. No mundo das realidades, o que existe são números que jogam por terra a felonia do “Programa de Governo” de Marina Silva e rompem o manto de fealdade que ele lançou sobre o setor audiovisual brasileiro. O dado concreto é que nos primeiros seis meses deste ano o público em salas de cinema cresceu 10% em relação ao mesmo período do ano passado — de 73,2 milhões de espectadores para 80,6 milhões. Desde 2009, o público total do primeiro semestre nas salas brasileiras vem aumentando gradativamente.

Os números são do informe de mercado do “Segmento de Salas de Exibição”, relativo ao primeiro semestre de 2014, e publicado em 25 de agosto pela Superintendência de Análise de Mercado da Ancine. De acordo com o informe, a participação de público nas produções brasileiras chegou a 14,2%, com um acumulado de 11,5 milhões de ingressos. No período analisado, foram exibidos 107 títulos brasileiros (no primeiro semestre de 2013, 93 filmes nacionais estiveram em circuito). Desses, 55 foram lançados em 2014, mantendo o mesmo patamar do ano passado.

Onze obras brasileiras alcançaram mais de 100 mil espectadores no primeiro semestre, sendo responsáveis por 96% do público do cinema nacional. Desses 11, quatro ultrapassaram a marca de 1 milhão de espectadores: “Até que a sorte nos separe 2”, de Roberto Santucci; “S.O.S. mulheres ao mar”, de Cris D'Amato; “Os homens são de Marte… e é para lá que eu vou” , de Marcus Baldini; e “Muita calma nessa hora 2”, de Felipe Joffily.

Parque exibidor

No primeiro semestre de 2014, a soma das salas ocupadas pelos lançamentos nacionais nas semanas de estreia alcançou 3.828 salas, contra 3.321 ocupadas por estreias nacionais no mesmo período de 2013. Isso representa um aumento de 15% no espaço para lançamentos brasileiros em relação ao ano passado — e de 163% em relação ao primeiro semestre de 2010, quando lançamentos brasileiros ocuparam 1.453 salas no país.

O parque exibidor brasileiro encerrou a primeira metade do ano com um total de 2765 salas de exibição — 194 salas a mais do que na primeira metade de 2013. A região Sudeste teve 67 salas inauguradas no primeiro semestre de 2014, seguida das 50 novas salas de exibição da região Nordeste; o Sul ganhou 9 salas novas; e a região Norte teve 8 salas implementadas.

Segundo a “Superintendência de Acompanhamento de Mercado” da Ancine, já em 2012 o mercado alcançou o número de 16.188.957 assinantes, registrando crescimento de 27% em relação a dezembro de 2011. Ao avaliar os impactos da entrada em vigor da Lei 12.485/11, em setembro de 2012, o estudo registrou o credenciamento de seis novos canais brasileiros de espaço qualificado, cinco deles pertencentes a programadoras brasileiras independentes. O “Informe de Acompanhamento de Mercado da TV Aberta”, que monitorou as grades de programação de dez emissoras, adotou por metodologia uma divisão em cinco grandes categorias (Entretenimento, Informação, Educação, Publicidade e Outros), cada uma delas desmembrada em diversos gêneros.

Presidente da Ancine

Segundo o diretor-presidente da Ancine, Manoel Rangel, a ampliação do espaço para exibição aqueceu o mercado, aumentando o número de produtoras filiadas a associações organizadas e o próprio número de projetos aprovados pela agência. “Isso é bom, porque são empregos qualificados, é a retenção de divisas no país, a geração de riqueza e significa que o país está sendo capaz de produzir a sua própria imagem, e um país que não faz isso tem muita dificuldade de afirmação na cena internacional” destacou Manoel Rangel em declaração à Agência Brasil.

Ele argumentou que a população também saiu ganhando com a Lei da TV Paga. “Para a sociedade brasileira, esses seis meses trouxeram maior diversidade e maior pluralidade na programação da TV por assinatura, mais conteúdo brasileiro, mais canais jornalísticos e mais diversidade na informação”, explicou. Ele disse também que o cenário de maior competição entre as operadoras está começando a reduzir preços.

Os avanços da lei 12.485/2011 podem ser separados em quatro eixos: 1) estabelecer cotas de conteúdo nacional; 2) impedir que uma mesma empresa atue nos ramos de produção, programação, empacotamento e distribuição do conteúdo; 3) abrir o capital estrangeiro para a distribuição do conteúdo; e 4) eliminar restrições de convergência tecnológica. A combinação da abertura ao capital estrangeiro no setor de distribuição com a proibição a uma mesma empresa atuar em mais de um ramo de atividade atinge as bases da concentração do mercado. Esses são os fatos.

*Osvaldo Bertolino é jornalista, editor do Portal Grabois e colaborador da revista Princípios.