Do jargão ao programa: para contradizer a direita no 2º turno

É conhecido o jargão que a direita tem usado para tentar abater o ciclo popular encarnado pelos governos do PT: o mal a extirpar reside no aparelhamento da máquina pública, na corrupção, nos desperdícios, na má gestão, nos entraves burocráticos ao funcionamento da empresa privada.

Por Marcos Aurélio da Silva*

BNDES

E eis que emerge bandeira da elevação do superávit primário; da reorganização do BNDES, que deveria deixar de ser um financiador para ater-se às funções coordenadoras, “como na época das privatizações”; da flexibilidade do mercado de trabalho, que deveria permitir maior velocidade ao ciclo das admissões/contratações, “como nos Estados Unidos”. Seguido o receituário, o país reencontraria a rota do crescimento econômico de longo prazo e da prosperidade social ― que já se esvai, argumentam os prosélitos de Aécio Neves e tuti quanti.

Nada mais enganoso. Ideológico, mesmo. Jargões apegados ao Programa do Estado mínimo, veiculado pelo velho e conhecido Consenso de Washington, que teima em não morrer. E é isso o que cabe ao campo popular demonstrar, sempre muito didaticamente, na dura batalha por votos neste segundo turno que promete ser dos mais difíceis. Ora, o mundo de prosperidade termina logo ali onde começa o superávit primário, que não abdicará do corte de direitos, no exemplo do ataque ao seguro desemprego, da decapitação das faixas de renda superiores do Minha Casa, Minha Vida, ao seu tempo mecanismos dinamizadores da economia e dos empregos. Mas o mesmo se deve dizer das ambições de desburocratização, preparados para atingir o direito das férias remuneradas, da licença maternidade, da obrigatoriedade dos planos de saúde. Ambições, vale notar, dispostas a reviver as formas dantescas de exploração capitalistas que mal ensaiamos superar. E isso enquanto uma parte não desprezível das indústrias de maior conteúdo tecnológico (a de bens de capital, por exemplo, e quando mais não seja por seu caráter oligopolista) sustenta uma elevada relação capital/produto (também traduzível na relação capital/trabalho), o que significa dizer que a produtividade ali não é baixa e, logo, que a famigerada teoria do bolo que sem cerimônia se busca recuperar (primeiro crescer para depois distribuir a renda, sustentava a política salarial da ditadura de 64), pode ser mandada para as calendas. Aliás, se nas indústrias de bens de consumo, que têm sofrido pesadamente com o câmbio valorizado dos últimos anos, esta realidade não se repete, é preciso dizer que uma eventual expansão do consumo não permite prever nenhum surto descontrolado da demanda capaz de pôr em marcha picos inflacionários. Afinal, o recente ciclo de expansão do consumo beneficiou largamente necessidades há muito represadas.

No mais, a disputa de votos não pode se abster de tocar no tema da Petrobrás e da política industrial e de independência tecnológica que ele implica. É aqui que os jargões podem revelar o programa que a direita nativa busca sustentar ― que certamente irá preferir não tocar muito no assunto. De fato, para a candidatura Aécio Neves, bem ao gosto das teses do Banco Mundial, que à época das grandes privatizações dos anos 90 não se cansou de produzir artigos falando da periferia mundial como uma zona capitalismo de cupinchas (crony capitalism), a empresa não passa de um antro de desperdício e corrupção, uma forma de expor à desmoralização pública as estatais para com isso levá-las à privatização. E eis que se encontra com muita facilidade “experts” tucanos (as aspas não são casuais) sustentando a abertura do capital das subsidiárias da Petrobrás, na mesma medida em que falam do abandono do regime de partilha, da retomada dos leilões, e do fim da política de conteúdo nacional. É o tal jargão da inserção nas cadeias produtivas globais, bem sabemos. Ora, como falar de empregos e de uma era de prosperidade por este caminho? Na Ásia, certamente, região onde o governo tucano foi buscar plataformas de petróleo, deixando o mercado interno de materiais, equipamentos e força de trabalho à míngua. Aliás, nesse ambiente, não haveria mesmo necessidade de um BNDES que possa cumprir as funções de financiamento e, com ela, programação econômica ― como costuma acontecer nos países periféricos que conseguiram algum grau de industrialização e independência frente aos interesses dos centros imperialistas.

Mas não é apenas isso. Ao lado do desmonte da economia política do petróleo, e dando provas cabais de uma política externa submissa aos interesses estrangeiros, notadamente norte-americanos, fale-se em retomar a Alca, negociar no Transpacífico e transformar o Mercosul em área de livre comércio. Empregos, muitos empregos… nos EUA, na Europa. Eis o Programa da direita brasileira que tucano Aécio Neves sustentará neste segundo turno. Programa que, indo além dos jargões que lhe servem de biombo, cabe a cada um de nós, da forma mais didática possível, denunciar aos eleitores até 26 de outubro.

*Professor da UFSC e militante do PCdoB em Santa Catarina.