Imperialismo versus nacionalismo e as guerras por fontes energéticas

No atual contexto de crise estrutural do capitalismo, entre os principais reflexos das tensões escaladas por um modelo que se debate para sobreviver estão o ataque aos direitos dos trabalhadores e a investida na guerra. Assim, o Oriente Médio, que foi palco do colonialismo mais tardio do século 20 e é fonte de recursos energéticos essenciais para o corrente modelo de produção, volta a fervilhar com a guerra imperialista.

Por Moara Crivelente*, para o Vermelho 

Petróleo - Middle East Monitor

Nesta quarta-feira (5), a Universidade de São Paulo (USP) deu sequência ao Simpósio Internacional “Imperialismo e Guerra: 1914-2014”, no marco do centenário da Primeira Guerra Mundial, para tratar, entre outros temas, das fontes energéticas como eixo central das guerras imperialistas. O simpósio acontece desde terça (4) até esta quinta (6) com diversas mesas.

Enquanto “imperialismo” é posto em questão como um conceito anacrônico por alguns acadêmicos que por vezes se apresentam como liberais, é justamente o anacronismo do posicionamento e das políticas das potências capitalistas o que leva as análises sobre o atual contexto global a denunciar o retrocesso imposto aos povos e ao progresso socioeconômico e político-ideológico por suas políticas agressivas de “hegemonia”.

Nesta que se revelou a pior crise desde 1929, a corrida pelas fontes energéticas que sustentam um modo de produção retrógrado e de relações comerciais opressivas coloca mais uma vez os povos do Oriente Médio sob a mira da guerra. A instrumentalização de diferenças sectárias forjadas ou tensionadas pelas próprias potências – as colonialistas e imperialistas – volta aos noticiários em forma de análises rebuscadas sobre “a violência intrínseca a um povo”, como diria o pensador palestino Edward Said e tantos outros críticos da narrativa etnocêntrica sobre o “Oriente”.

Mas no centro das tensões, além de dinâmicas políticas nacionais envoltas em interesses de elites domésticas e das revoltas populares – inseridas em um histórico de ingerência colonialista-imperialista e de resistência – está justamente a atuação externa pelo controle de fontes energéticas fundamentais, embora a análise não possa ser resumida, obviamente, a este fator determinante.

No simpósio, o professor Igor Fuser, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC – que dividiu a mesa com a pesquisadora Ana Paula Salviatti e o geógrafo Armen Mamigonian – partiu de um apanhado da história colonialista no Oriente Médio desde o princípio do século 20. As investidas do Reino Unido e da França sufocaram movimentos nacionalistas e de asserção da soberania sobre os recursos energéticos pelos povos árabes, para estabelecer o seu controle sobre as fontes de petróleo na região, sobre as importantes rotas e os espaços geoestratégicos.

Professor Igor Fuser, da Universidade Federal do ABC, a pesquisadora Ana Paula Salviatti
e o geógrafo Armen Mamigonian. (Foto: Moara Crivelente)

Controle das fontes e sufocamento do nacionalismo

Fuser destacou as turbulências no Irã na década de 1950 como manifestações da pressão imperialista contra a nacionalização do petróleo, assim como ocorreu na Líbia e no Iraque mais recentemente. Golpes, agressões e guerras descaradas formaram o eixo central da política imperialista dos EUA, depois do colonialismo opressor europeu, para que o acesso e o controle dessas fontes fiquem garantidos. No país persa, um golpe transformaria a monarquia parlamentar relativamente avançada em uma absolutista e sangrenta liderada pelo xá Mohamed Reza Pahlevi, depois derrubado pela Revolução Iraniana de 1979. O golpe de 1953, de acordo com Fuser, inauguraria este papel internacional da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA).

Entre as políticas que conformaram o esforço pelo controle das fontes energéticas esteve o cartel das “Sete Irmãs”, companhias petrolíferas estrangeiras instaladas pelas potências europeias e os EUA no Oriente Médio ainda às vésperas da década de 1920. O termo “Sete Irmãs” seria cunhado apenas na década de 1950 pelo presidente da companhia petrolífera italiana Eni, Enrico Mattei, para designar o cartel então denominado “Consórcio pelo Irã”, formado pela Anglo-Persian Oil Company (britânica, atual BP), a Standard Oil California (SoCal, estadunidense), a Texaco (Chevron), a Royal Dutch Shell, Standard Oil of New Jersey (Esso) e a Standard Oil of New York (atual ExxonMobil). A corrida iniciara-se após a primeira descoberta de petróleo na região, ainda no início do século 20, no Irã.

É também neste sentido analisada a atual guerra abrangente no Oriente Médio. O Iraque, lembrou Fuser, sofre sua terceira invasão em cerca de 20 anos, enquanto a Síria é devastada por uma torrente de eventos em que revoltas populares foram extrapoladas e incendiadas pela ingerência exterior, na tentativa, mais uma vez, de derrubada de um regime nacionalista. Neste corredor trágico, a disseminação de grupos extremistas antes impulsionados como aliados pelas próprias potências reforça preconceitos estratégicos contra o Islã e o chamado Mundo Árabe, dando sustentação a uma narrativa fértil para a guerra.

Mas esta visão que parte da prioridade ao controle dos recursos energéticos e também naturais, lembraram a pesquisadora Ana Paula Salviatti e o geógrafo Armen Mamigonian, parecem formar um quadro de análise imperialista sobre a projeção dos EUA-potência sobre o mundo.

Ana Paula pontuou a financeirização do meio ambiente, a politização dos debates sobre as alterações climáticas e o cinismo das potências diante das “responsabilidades de todos”, em uma estratégia que prejudica deliberadamente os países em desenvolvimento, estabelece as regras do mercado para a questão da proteção ambiental e posterga compromissos fundamentais neste sentido.

Já Mamigonian resgatou o caso da Petrobras desde as investidas conservadoras contra a sua própria criação, na década de 1950, por Getúlio Vargas, até a sua instrumentalização pela direita e os saudosos do neoliberalismo nas recentes eleições, quando esforçaram-se por atar irremediavelmente a estatal petrolífera a escândalos de corrupção e à “falência iminente”. Como verdadeiros patriotas, ao contrário.

Em suma, as potências agarram-se à lógica atávica de benefício das elites derrubando o que estiver pela frente, inclusive regimes e nações inteiros, como ficou patenteado pela história do colonialismo e pela atual guerra contra um Oriente Médio a ser “reformatado” conforme sua visão estratégica para a região. O nacionalismo de intento soberano e emancipador parece ser visto como grande ameaça pelo imperialismo e seus lacaios.

*Moara Crivelente é cientista política, jornalista e membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.