“Devemos nos preparar para o pior”, diz presidente da Sabesp

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o novo presidente da Sabesp, Jerson Kelman, disse considerar “grave” a situação do abastecimento de água e a forma como o recurso vem sendo administrado pela empresa. Segundo o executivo, “é preciso torcer pelo melhor, mas estar preparado para o pior”.

Por Renato Bazan*, no jornal Olho Crítico

Sistema Cantareira seco - Reprodução

O comentário aparece pouco tempo depois de a Sabesp ter proposto o primeiro esquema formal de rodízio de água, oferecendo o recurso em apenas dois dos sete dias da semana, e após o governador Geraldo Alckmin ter negado novamente a existência da crise hídrica.

“Olhando para a frente, a situação de São Paulo é preocupante”, disse. Ele enfatizou que não vai continuar o esquema de acobertamento ordenado pelo governador, e citou o parecer do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais de Cachoeira Paulista, que estimou em 64% a chance de 2015 ter menos chuva que as médias históricas.

O alerta de Kelman não destoa dos relatórios técnicos emitidos pelos trabalhadores da Sabesp desde 2011, que já falavam da necessidade crítica de novos investimentos para a ampliação dos sistemas de captação de água e a criação de procedimentos mais eficazes de manutenção da rede. Para o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de SP, os sucessivos encontros realizados com o governo de estado cumpriram o papel de externar a extrema preocupação dos trabalhadores do setor, mas poucas providências foram tomadas para enfrentar uma possível seca.

Os cálculos do sindicato mostram que, de fato, a correta manutenção do encanamento disponível seria menos custosa quea transposição do Rio Paraíba do Sul, que abastecerá a cidade a partir de 2016.

Com o Sistema Cantareira marcando 5% da capacidade, Kelman está encarregado de criar um plano de última hora para reverter um quadro dramático de mal planejamento.

Crise hídrica se deu por conta de conflito entre público e privado, diz ex-deputado.

Nivaldo Santana, 61, é um homem que fala da água há mais de 30 anos. Atual vice-presidente da CTB, já foi funcionário da Sabesp, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de SP e deputado estadual durante 12 anos.

Jornal Olho Crítico: Como chegamos a este estado de crise?

Nivaldo Santana: Eu alertei muitas vezes, em 2003, quando o Alckmin estava no governo, que a venda de metade das ações da Sabesp criaria um conflito entre os interesses dos acionistas privados e o governo, porque nem todos iriam querer a mesma coisa. Quem compra ação quer lucratividade imediata, quem governa precisa pensar no fornecimento de serviços universais. Nem sempre é possível conciliar os dois.

A crise que estamos vivendo tem um componente da natureza, a estiagem, mas só se deu por conta de uma política de distanciamento dos interesses públicos, que teria como prioridade a universalização da água.

O que podemos fazer no curto prazo?

Agora estamos numa crise tão grande que a margem de opções é muito estreita, pois a população já está sofrendo e a tendência é de agravamento. Só dá para fazer uma redução de danos – a Sabesp vai ser obrigada a implantar um rodízio mais rigoroso, negociar com a indústria e os agricultores para que economizem. Ela terá que encontrar formas de aumentar a capacidade de represamento e explorar novos reservatórios.

Existe solução permanente para o problema?

Sabe-se que a região metropolitana sofre há década de um déficit hídrico, e isso implica uma necessidade redobrada de planejamento. Ter menos chuva faz parte do ciclo natural, a empresa deve trabalhar com a possibilidade. Os especialistas dizem que será preciso buscar agua de fontes mais distantes, como o Vale do Ribeira, mas será preciso também aumentar a reservação, combater as perdas e avançar no reuso de água não potável para diversas atividades econômicas. Esse pacote de medidas deve estar aliado à campanha permanente pelo uso consciente da água e investimentos mais elevados no setor.

*É jornalista, integra a equipe de comunicação da CTB