É uma loucura "privatizar" obras de Karl Marx
A crise econômica e financeira global produziu um renovado interesse em Karl Marx. Algumas semanas atrás, o New York Times lançou um debate com renomados economistas sobre o tema “Marx estava certo?”
Por Lucia Pradella, no The Guardian
Publicado 13/02/2015 09:42
O recente livro de Thomas Piketty, O capital no século 21, trava um diálogo implícito com Marx sobre como entender o capitalismo e confrontar suas contradições. É triste o fato de, neste momento, a editora Lawrence & Wishart estar forçando o Marxist Internet Archive (Arquivo Marxista na Internet – MIA) a tirar do ar as Obras Completas de Karl Marx e Friedrich Engels que estavam hospedadas nesse repositório com a autorização da editora. É particularmente triste que esta última tenha insistido para que as obras sejam retiradas antes do 1° de maio, quando se celebra no mundo inteiro a solidariedade dos trabalhadores.
O MIA é uma extraordinária fonte para estudiosos e ativistas, que dá acesso livre às obras não apenas de Marx e Engels, mas de muitos outros pensadores socialistas. A Lawrence & Wishart se apresenta como uma editora que luta pela preservação de seus direitos autorais (copyright) sobre as Obras Completas para evitar um “suicídio institucional”. Esclareceu que “o trabalho necessário para produzi-las exigiu anos de pesquisa documental, recompilação e organização, a contratação de centenas de tradutores, assim como o trabalho acadêmico sobre as referências e o contexto”.
Isso, com certeza, é verdade. Eu mesma trabalhei na Academia de Ciências e Humanidades Berlim-Brandeburgo, onde está sendo preparada a edição histórico-crítica das Obras Completas de Marx e Engels, a Mega (Marx-Engels Gesamtausgabe).
De modo que aprecio o enorme trabalho que traz consigo um projeto dessa natureza. Mas o objetivo dos protestos contra a decisão da Lawrence & Wishart não é deixar “sem salário os trabalhadores da cultura, como editores, gráficos e escritores”. A petição que contribui para organizar não discute os direitos autorais da Lawrence & Wishart.
A questão é que a maior parte das edições em inglês das Obras Completas foi produzida primeiramente pela editora Progreso em Moscou, como um projeto estatal da União Soviética, até que esta entrou em colapso no ano de 1991. A Lawrence & Wishart, historicamente associada com o partido comunista britânico, é o legatário desse investimento soviético.
Sua decisão produziu uma onda de protestos, duas petições receberam o apoio de milhões de signatários em todo o mundo, e existem ações levantar esse tema entre os sindicatos britânicos.
Entre os signatários da petição na qual colaborei, existem proeminentes pesquisadores marxistas que vivem no norte (Jacques Bidet, Alex Callinicos, Bob Jessop, Michael Heinrich, Michael Löwy, David McNally, Helena Sheehan) e no sul (Ricardo Antunes, Abelardo Mariña Flores, Vijay Prashad), colaboradores da Mega (Kevin Anderson, Michael Krätke, Rolf Hecker), intelectuais críticos (Stanley Aronowitz, Timothy Brennan, Rashmi Varma, Hilary Wainwright), economistas heterodoxos (Guglielmo Carchedi, Doug Henwood, Steve Keen, John Weeks), e figuras culturais radicais (Pat Kane e Michael Rosen).
A natureza contraproducente da decisão da Lawrence & Wishart foi evidenciada pelo aparecimento de réplicas do site original do MIA e pelo envio de versões em PDF da totalidade das Obras Completas que estavam online. Os editores dizem agora que foram “surpreendidos pela resposta online” e estão “considerando o que podemos fazer para satisfazer o desejo de um melhor acesso”. Essas notícias são boas, e estimularemos a Lawrence & Wishart e o MIA para que cheguem a um acordo. Mas esse acordo deve incluir a restauração do acesso livre e online às Obras Completas no site do MIA. Não é o momento de privatizar Karl Marx.
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*Publicado no The Guardian – Traduzido para a Carta Maior