Marco Damiani: Qual dos delatores merece a fé pública?
Já são 13 os delatores premiados que municiam de informações a operação Lava Jato, da Polícia Federal. Beneficiados por acordos que acenam com penas menores e uma série de regalias, entre elas a liberdade sem incômodos nesta fase de depoimentos, esses delatores têm espalhado versões para fatos criminosos que vão levantando uma série de desmentidos.
Por Marco Damiani, publicado no Brasil 247
Publicado 13/02/2015 15:39
O problema é que, nessa sistemática, o que menos se tem mostrado até agora são provas concretas do show de acusações protagonizado pelos bandidos confessos. Até que ponto se pode acreditar, sem restrições, no que eles dizem?
Não ganhou carimbo de verdade na mídia, por exemplo, a delação do policial federal Jayme Alves, o Careca. Em depoimento divulgado pela Lava Jato no final do mês passado, Careca afirmou ter entregue, a mando do doleiro Alberto Youssef, numa casa em Belo Horizonte, nada menos que R$ 1 milhão em dinheiro vivo, a título de propina, nas mãos de um representante do então governador Antonio Anastasia (PSDB).
Diante do desmentido do doleiro, e também de Anastasia, a mídia imediatamente esfriou o depoimento, preferindo acreditar na negativa do político tucano – e encerrar o assunto por ai.
Agora, numa acusação em tudo semelhante, a opção geral da imprensa tradicional se inverte – e passa a ser a de acreditar fielmente na palavra de um bandido. No caso, a acusação de Youssef que liga o lobista Julio Camargo, da Toyo Setal, diretamente ao ex-ministro José Dirceu.
O doleiro afirmou ao juiz Sergio Moro que Camargo entregava fortunas em dinheiro a Dirceu. Sem dúvida e com decisão, a mídia passou a construir suas mais recentes manchetes a partir dessa palavra.
Ocorre, no entanto, que a acusação de Youssef despertou, de imediato, dois desmentidos dos personagens que ele envolveu na trama. Por meio de sua advogada, Camargo negou que conheça Dirceu e que com ele tenha mantido qualquer tipo de relacionamento. O ex-ministro do PT, por seu lado, expediu nota à imprensa igualmente garantindo que nunca se encontrou ou teve negócios com Camargo.
As duas negativas enfáticas, como se esperava pelo padrão geral da cobertura jornalística da Lava Jato, foram simplesmente ignoradas pelos veículos de comunicação. Deu-se todo o crédito para Youssef, que, como fizera Careca, também não apresentou provas a respeito do que disse.
Grande show para a mídia, o sistema de delação premiada, novo no Brasil, vai sendo visto com a solução para todos os males de corrupção. No entanto, os criminosos confessos e apanhados com milhões em contas bancárias no exterior, vão despejando acusações que, mesmo não provadas, já são dadas como absolutamente verdadeiras.
A pergunta que sobressai é sobre até que ponto se pode acreditar no que os delatores estão dizendo. Além do risco de estarem ocorrendo delações seletivas – com acento contra adversários e suavidade sobre amigos -, já se veem claramente a repetição das preferências midiáticas na divulgação de cada depoimento.
No atual quadro das delações premiadas da Lava Jato, uma velha lei social parece estar se reproduzindo em alta velocidade: aos amigos, tudo; aos inimigos, o selo de fé pública sobre a palavra dos bandidos. Esse sistema é mesmo positivo para o saneamento dos costumes políticos do país?