Leci Brandão: Carnaval não combina com violência e discriminação

Com a proximidade do Carnaval, a reportagem do Portal CTB entrevistou Leci Brandão. Em início de seu segundo mandato como deputada estadual em São Paulo, pelo PCdoB, Leci prioriza em seus trabalhos a luta por igualdade racial, pelos direitos da mulher, da comunidade LGBT, da educação e de uma política cultural que contemple toda a diversidade brasileira. E como não poderia deixar de ser ela defende o ensino de música nas escolas.

leci brandão

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

O vereador Gilberto Natalini (PV) defendeu o cancelamento do Carnaval de São Paulo por causa da falta de água. A senhora concorda com isso?
Seria um grande erro, porque o Carnaval é a maior festa popular do país. Mobiliza milhares de pessoas todos os anos. Aliás, o Carnaval está presente nas escolas de samba todos os dias do ano. Nenhum político tem o direito de barrar a alegria desse povo em pular o Carnaval. O Carnaval brasileiro se tornou o maior do mundo.

Mas a falta de água não pode afetar a folia?
A água está faltando na casa, principalmente dos mais pobres, faz tempo. A crise se agravou devido à falta de planejamento do governo do estado. Não somente do atual, mas dos que passaram antes também. Tivessem pensado nessa questão do meio ambiente e do abastecimento de água de fato, acho que a gente não estaria passando por isso.São Paulo é um estado grande que tem diversos rios, mas ninguém se tocou da necessidade de se investir em captação de água.

O Carnaval paulistano tem incentivo suficiente do poder público, ou ele é bancado pelas comunidades?
Leci defende mais respeito à cultura popular e à juventude (Foto: Arthur Dafs)O Carnaval de São Paulo sempre foi uma coisa do povo. Foi até minha profecia, desde quando eu comentava Carnaval ainda na Avenida Tiradentes. Era uma coisa muito bacana ver o pessoal da comunidade sambando na avenida. Depois veio o Sambódromo, então comentei em 2002, que o Carnaval paulistano iria crescer muito, iria chegar ao ponto que chegou porque a partir do momento que fez Sambódromo criava-se a necessidade de levantar as alegorias, de aumentar o número de componentes.

Eu já dizia que o nosso Carnaval será grandioso, disputadíssimo, acabou a história de que aqui somente três escolas reuniam condições de vencer o Carnaval. Agora a disputa é cada vez mais acirrada.

De uma maneira geral a mídia faz comparação com o Carnaval do Rio de Janeiro e depreciam os desfiles de São Paulo. É justa essa comparação?
São duas festas diferentes. São estruturas e escolas de samba distintas. É impossível fazer comparação. Não gosto que ninguém faz essa comparação. Eu brigo com jornalista por causa disso. Lá é outra coisa. Lá entra financiamento do governo do estado, das prefeituras. Todo mundo contribui para o Carnaval. É muito estrutura, todo mundo quer ajudar.

Em São Paulo não tem financiamento do poder público?
Aqui é bem diferente. Tem uma ajuda da prefeitura da capital, mas do governo do estado não entra nada. Em São Paulo nem a sexta-feira de Carnaval é feriado, o que prejudica a escola de samba que é a primeira a desfilar, pois os integrantes têm que dar expediente normal e têm muita dificuldade de chegar à concentração em tempo. Tanto que eu acho que já deveria ser feriado na sexta, por aqui já tem Carnaval na sexta-feira.

São Paulo destina menos dinheiro para os blocos e escolas de samba?
O Carnaval de São Paulo vem crescendo, porque a gente torce pelo crescimento desse Carnaval. Primeiramente com a subvenção que se têm, os paulistanos estão fazendo muita coisa boa. Porque a festa evolui e vai ficando tudo cada vez mais caro. As alegorias se tornaram muito caras. Não é fácil construí-las. Além do que, as escolas cresceram em número de componentes, hoje as escolas têm bastante gente.

Há perspectivas de mudanças em curto prazo?
Em São Paulo é mais a prefeitura que investe. Parece que neste ano o governo do estado já iniciou conversas com a liga das escolas de samba da cidade. Parece haver disposição para dar um olhar mais afirmativo e atencioso, porque viram que o nosso Carnaval está crescendo. Economicamente é muito bom para São Paulo. Estão vendo a possibilidade de os turistas do interior do estado, ao invés de irem ao Rio, virem para a capital paulista.

Apesar de todas essas questões, o Carnaval de rua parece estar retomando o seu lugar na preferência dos foliões. Os blocos de carnaval estão voltando com a corda toda. Essa tendência deve continuar?
Somente no Rio são cerca de 600 blocos e São Paulo já se aproxima dos 400. Isso ocorre porque os blocos estão mais próximos da população e o Carnaval nunca saiu da preferência dos brasileiros.

Será que os blocos ganham a preferência porque para desfilar na maioria deles é de graça?
Justamente. As pessoas não têm condições de comprar os ingressos ou as fantasias. Aí buscam alternativas para aproveitar o Carnaval. Vai desfilar no bloco de seu coração e está tudo certo, se divertem da mesma forma.

Como fazer para que as pessoas da comunidade possam assistir aos desfiles de suas escolas de samba?
Os ensaios técnicos estão enchendo mais. Por isso pedi para o presidente da Liga das Escolas de Samba falar com quem dirige o Anhembi ou a SPTur, para deixar o Sambódromo aberto ao público para ver os ensaios técnicos. No Rio de Janeiro os ensaios lotam e é uma maravilha, os componentes das escolas se entusiasmam.

O Carnaval movimenta a economia com grandes cifras, milhões de turistas circulam pelo país. Em São Paulo não é diferente. É uma chance para a classe mais pobre aumentar sua renda?
A questão da economia dos mais pobres é muito importante. Precisa dar espaço para os camelôs venderem seus quitutes, cervejas e refrigerantes. Essa é uma forma das pessoas ganharem um dinheirinho a mais. Dar permissão para comercialização apenas dentro do Sambódromo privilegia quem tem mais poder aquisitivo. Essa imposição deveria ocorrer só no dia dos desfiles, afinal a maioria que comprou ingresso tem mais poder aquisitivo.

A maioria não é composta por turistas?
Turistas sim, mas tinham que permitir as vendas do lado de fora. No Rio tem o Terreirão e é uma delícia, são varias barraquinhas de cachorro quente, sopa de ervilha, muita coisa barata, e acaba o desfile ou não e você esta ali no ambiente, você está ouvindo a escola passar, na Sapucaí.
A mídia comercial dá muito pouca atenção á cultura popular e só destaca o Carnaval em cima da hora e realça basicamente os grandes desfiles.

Além de que a Globo mantém a exclusividade das transmissões, o que pensa disso?
A exclusividade é um grande erro. A transmissão do Carnaval deveria ser permitida para qualquer emissora que desejasse fazê-lo.

Existe uma campanha pela democratização dos meios de comunicação. Isso ajudaria nessas questões?
Acho que sim, se todo mundo tiver o mesmo espaço com os mesmos direitos tudo pode melhorar. Tem que acabar com essa mídia de família. Tem família que manda no Brasil inteiro. Está na hora de acabar com essa visão de pensamento único. No Brasil há muita diversidade e isso precisa estar presente nos órgãos de comunicação constantemente.

A realização da Copa no Brasil melhorou a imagem do país?
Ajudou a movimentar essa coisa toda, a trazer as pessoas para o Brasil e as pessoas gostaram daqui. E quem não gosta dessa terra? Assim como a Copa foi muito bem realizada e trouxe resultados econômicos importantes para o país, o Carnaval pode ser bom economicamente para São Paulo. O meu grande sonho é que o governo estadual faça uma parceria com as escolas de samba, no sentido de usar as quadras das escolas para projetos sociais, com teatro, pintura, dança, literatura, possibilitar aos professores irem às comunidades para ensinar a arte do Carnaval e dessa maneira ajudarem a cria futuros carnavalescos, artesãos, aderecistas, entre outras funções. Dessa maneira, as escolas não precisarão mais importar carnavalescos daqui ou dali. Teremos uma matéria prima daqui mesmo.

Esses projetos sociais ensinariam somente as manifestações carnavalescas?
Não. Seriam mais abrangentes. Possibilitariam acesso à cultura e à educação, com complemento da escola. Isso ajudaria bastante a combater essa ideia de se construir presídios. Precisamos sim criar escolas, oficinas culturais.

Falta espaço para a juventude?
O presidente da escola de samba tem que ter seu projeto social. Algumas escolas já têm projetos aqui em São Paulo, no Rio e em outros lugares, mas o poder público precisa ajudar a serem criados muitos mais projetos. aumentar os pontos de cultura em todo o estado, em todos os cantos. Existem muitos jovens fazendo coisas maravilhosas e fantásticas. Precisamos valorizar e dar oportunidade aos jovens de trabalhar, estudar, ter acesso à informação, à diversão e aproveitar os dons que Deus lhes deu.

O Carnaval paulistano dá muitos empregos?
Dá emprego a partir do meio do ano, em geral. Algumas escolas têm mais estrutura. Nelas acaba um Carnaval já começa a preparação do outro.

Muitas questões que afligem as mulheres afloram no Carnaval com mais contundência. Sobre a saúde, por exemplo, elas passam a correr mais riscos nesse período?
A situação se agrava porque a mulher tem que se preservar mais, precisa se proteger, não só das investidas grosseiras e das tentativas de assédio, mas também não permitindo nenhum tipo de sexo sem camisinha. Porque muita gente tem essa ideia errada de que a Aids acabou.

As mulheres não estão se prevenindo bem?
Existem diversas doenças por aí. A juventude não está se cuidando muito e isso acarreta problemas muito graves. Até porque chegam pessoas do mundo inteiro, e gente de todo tipo, e não se sabe que doenças essas pessoas estão trazendo.

Nesse contexto de animosidades, a vida da mulher negra vem melhorando?
Sim. Desde que foi criada a Seppir (Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial), muitas ações têm sido feitas por diversos órgãos públicos vinculados à Seppir. Além desses órgãos oficiais, muitas entidades do movimento negro vêm buscando conscientizar as pessoas de que a mulher negra não é mulher objeto (só serve para ser a boa, a gostosa), mas na hora de dar um emprego legal, emprego executivo, ninguém quer saber. Já na hora da folia essas mulheres passam a ser importantes.

Essa invasão de “celebridades” nas escolas de samba ajuda ou prejudica?
Eu gosto muito das passistas que têm muito samba no pé e não precisam exibir o corpo. Só que cada vez existem menos passistas nas escolas. E isso é ruim para o Carnaval.

São as “celebridades” desfilando…
Celebridade para mim é Clementina de Jesus, Cartola, Pixinguinha e muitos outros nomes da nossa cultura popular.

Há racismo no Carnaval?
Não há muito espaço para isso no Carnaval. Para mim, o racismo acontece quando tiram as meninas negras da frente das baterias. Por que nos destaques devem estar apenas um padrão de beleza, em geral loiras e famosas?

Isso diminui a qualidade do Carnaval, divide a comunidade?

Existe presidente de escola de samba que é inteligente, é sensível, e banca as fantasias para a comunidade, aí o povo desfila. A coisa fica difícil onde não predomina essa visão. Agora uma coisa é engraçada, antigamente a classe média não gostava da folia, agora eles se misturam porque dá status desfilar nas escolas de samba.

A classe média desfila nas escolas e se misturam, mas atacam as cotas para negros em universidades públicas, por que?
Pois é, isso eles não querem, tivemos várias audiências públicas aqui para ver essa questão. Aqui em São Paulo, o negro serve para batucar , para sambar, mas não serve para estudar na carteira de uma universidade pública.

As cotas melhoraram a situação do negro?
Algumas ações do governo federal ajudaram a melhorar a situação dos negros sim. Muitas universidades públicas respeitam essa questão. Mas em São Paulo ocorre uma resistência muito forte por parte de reitores, de professores, de estudantes e da sociedade de uma maneira geral. Ainda predomina a visão escravagista onde os negros devem ficar com os piores trabalhos, mais mal remunerados. Servem para cozinhar, lavar, limpar. Nunca para estar nos bancos escolares e nos bons empregos.

Em sua opinião por que a Lei 10.639/2003, sobre o ensino da história da África e dos negros brasileiros ainda não está implantada em todo o território nacional?
Em minha opinião, já passou da hora de os secretários da educação de todos os estados e municípios determinarem que a lei seja cumprida.

O que a educação pode mudar na vida das pessoas?
A salvação do país está na educação e na cultura. São os dois pilares que vão dar sustentação a todos os outros projetos de engrandecimento da nação. Se não for dada a atenção devida para isso, estaremos mal. Hoje ninguém sabe escrever, ninguém lê todo mundo tira zero em redação.

E a internet tem muita responsabilidade nesse processo. Os jovens abreviam as palavras e com isso estão desaprendendo a escrever. Portanto a educação precisa ser tratada de uma forma muito especial pelos governantes. A começar pelos salários dos professores, uma vergonha, vergonhoso, ninguém mais quer seguir o magistério.

Fonte: Portal da CTB