Jarid Arraes: É carnaval para quem?

Neste momento, muita gente se encontra pelas ruas do país pulando e curtindo bloco atrás de bloco. No período do Carnaval, nossa cultura concede alguns dias de indulgência, nos quais tudo é permitido e as pessoas podem fazer coisas que em outros períodos do ano não seriam aceitáveis. Pelo menos é assim que diz o discurso; mas será que todo mundo “pode tudo no Carnaval”?

Por Jarid Arraes*, na Revista Fórum

Bloco Saia Rodada - UJS

Em primeiro lugar, é necessário compreender a permissividade sexual tem limites muito bem estabelecidos por nossa sociedade: às mulheres, o espaço para que expressem sua sexualidade está condicionado ao papel de objeto e à constante disponibilidade que devem oferecer aos homens. Por isso, não é nenhuma novidade o fato de que a liberação sexual do carnaval tem moldes heteronormativos e machistas, onde o homem tem ainda mais licença para se expressar e agir como desejar, enquanto as mulheres devem satisfazer esses desejos masculinos e, posteriormente, ainda serão julgadas e hostilizadas por esse mesmo comportamento.

É muito comum nos deparamos com imagens nas redes sociais que ironizam a liberação sexual feminina no carnaval, ridicularizando as jovens que – segundo esse raciocínio – acabam engravidando e não sabem quem é o pai. Algo que, não por acaso, não é direcionado aos homens – não importa o quanto transem ou com quantas mulheres façam sexo. A única exceção que direciona escárnio ao comportamento masculino é quando a transfobia entra em jogo; aí, o pior pesadelo dos homens se torna a existência de travestis e mulheres transexuais. A misoginia se manifesta de muitos modos.

Por isso, quando mulheres questionam os velhos estereótipos direcionados ao gênero feminino, quando mulheres negras levantam a voz para enfrentar lógicas racistas que vendem a figura da “mulata Globeleza”, ou quando grupos feministas se mobilizam contra certas brincadeiras construídas para o entretenimento dos homens brancos, a reação da sociedade é de indignação. Ter a ousadia para questionar o machismo e o racismo do carnaval é tratado quase como um crime.

Resta responder uma inquietação necessária: para quem serve a diversão vendida pelo carnaval? Certamente não para as mulheres, que vivem uma rotina de repressão sexual, tabus e paradigmas 12 meses por ano. O carnaval já está acontecendo; resta agora a reflexão, que não pode mais ser abafada, não importa o quão incomoda seja.

*Jarid Arraes é diretora do Femica e estudante de Psicologia