Clóvis Scherer: A desoneração da folha gerou empregos

Estudo sobre os efeitos da política de desoneração nos quatro primeiros setores atingidos, ao final de 2011, com base na Rais, mostrou que a medida foi associada a 60% dos empregos gerados na amostra estudada.

Por Clóvis Scherer*, publicado no Brasil Debate

(Foto: Agência Brasil)

Como parte de seu programa de ajuste fiscal, o governo federal anunciou mudanças na política de desoneração da folha. No anúncio dessas mudanças, o Ministro da Fazenda afirmou que a desoneração, adotada desde 2011, não atingiu o objetivo de gerar e proteger os empregos – os outros objetivos incluem a elevação da competitividade e a redução da informalidade. Essa afirmação do Ministro tem fundamento? Separando a desoneração de outros fatores intervenientes, quais foram os efeitos específicos dessa política no mercado de trabalho?

A desoneração consistiu na substituição da contribuição previdenciária patronal sobre a folha, com alíquota de 20%, por uma contribuição sobre a receita bruta, deduzida a receita com exportações, fixada em 1% ou 2% conforme o setor.

Essa mudança vigorou inicialmente para quatro setores da economia (confecções e parte do setor têxtil, couro e calçados, serviços de TI/TIC e empresas de callcenter) sendo paulatinamente estendida a um total de 56 segundo a classificação adotada pelo Ministério da Fazenda. A desoneração incluiu uma redução na carga de tributos sobre as empresas que, em 2014, foi estimada em R$ 21,4 bilhões pela Receita Federal.

Para avaliar os efeitos da política de desoneração no mercado de trabalho, realizei estudo sobre os quatro primeiros setores desonerados ao final de 2011 com base em dados da Rais (Scherer, C. (2015) ‘Payroll Tax Reduction in Brazil: Effects on Employment and Wages’, ISS Working Paper Series/General Series (602): 1-64.

Procurei saber o que aconteceu com o emprego formal, as horas de trabalho e o salário médio entre 2011 e 2012, que representam o antes e o depois da desoneração. O estudo se valeu do fato de que a mudança na tributação afetou as empresas que estavam sob os regimes tributários do lucro real ou do lucro presumido, uma vez que as empresas do Simples não recolhiam para a previdência sobre a folha.

As empresas do Simples serviram como um contrafactual que indica o que ocorreu com o emprego na ausência da desoneração no período em análise. Comparando a trajetória do emprego no Simples e nas empresas desoneradas foi possível medir os efeitos da desoneração de forma isolada de fatores macroeconômicos, regionais e setoriais. Para tornar esta comparação mais robusta, limitei a amostra a 74 mil empresas de tamanho similar, com até 50 empregados, e que entregaram a Rais nos dois anos estudados.

Os resultados obtidos sugerem que a desoneração contribuiu positivamente tanto para o nível de emprego formal quanto para os salários médios nos setores estudados. O número médio de empregados nas empresas desoneradas aumentou em 1,7 a mais do que nas firmas não desoneradas, representando uma variação de 15,6% sobre a média de 10,9 empregados em 2011 (linha de base).

Quanto às horas de trabalho contratadas, estimei um aumento de 1.633horas/ano nas firmas desoneradas, ou 9,6% sobre a média de 17.044 horas no ano anterior à desoneração. Por fim, o salário médio horário subiu mais nas firmas desoneradas do que nas não desoneradas, neste caso em R$ 0,18 ou 2,3% sobre o valor médio de R$ 7,71 por hora de trabalho em 2011.

Os resultados desagregados por setor apontam para efeitos mais intensos na indústria de couros e calçados, com a desoneração respondendo por aumentos de 35,4% no emprego, de 24,4% nas horas contratadas e de 2,6% nos salários.

Em contraposição, no setor têxtil o efeito da desoneração foi menos acentuado, com índices de 9,4%, 3,1% e 2,3%, respectivamente. As estimativas para os dois outros setores, de confecções e de serviços (TI/TIC e call centers) ficaram no intervalo entre os dois extremos.

Provavelmente o setor de couro e calçados reagiu mais fortemente ao estímulo da redução do encargo social por estar mais orientado para a exportação, com parcela maior de suas receitas brutas isenta da nova contribuição. Entretanto, os mesmos setores mais voltados para o mercado interno, como os de serviços, responderam positivamente à mudança na tributação.

Dando uma indicação do significado dos percentuais acima, o número total de contratos de trabalho nas empresas da amostra passou de 779.372, em 2011, para 827.780, em 2012, com aumento de 48.408 empregos. Desse acréscimo, 31.216 empregos formais foram gerados em empresas que tiveram a folha desonerada. O efeito específico da desoneração – 15,6% sobre o estoque inicial de empregos das empresas desoneradas – corresponde à criação de 29.170 empregos. Portanto, a desoneração está associada a 60% dos empregos gerados na amostra estudada.

Vale notar que estamos tratando de empregos formais, os quais podem corresponder tanto à geração de novos postos de trabalho quanto à formalização de empregos pré-existentes. Embora as estatísticas disponíveis não permitam esclarecer esta questão, ambas as possibilidades representam melhora no mercado de trabalho.

As evidências obtidas no estudo são relevantes para o debate, ainda que não esgotem o assunto. O estudo tem como limitações a análise de poucos setores, o horizonte de tempo restrito ao primeiro ano de aplicação da medida e a ausência de dados sobre a efetiva carga tributária imposta a cada empresa. Por isso seria recomendável a realização de outros estudos, com diferentes abordagens e que explorem outras fontes de dados antes de se chegar a uma conclusão definitiva.

De qualquer modo, o estudo oferece evidências concretas de que a desoneração teve sim efeitos positivos para o emprego e os salários nas empresas e setores beneficiados. Estes resultados precisariam ser levados em conta ao se decidir sobre uma reversão parcial ou total da política. Afinal, se esta reversão for efetivada, pode-se colher como resultado um forte impacto no emprego formal e nos salários, com consequências para toda a economia.

*Clóvis Scherer é economista, com graduação pela Universidade Federal de Santa Catarina e título de Mestre em Estudos do Desenvolvimento pelo International Institute of Social Studies da Universidade Erasmus de Rotterdam. Trabalha como economista no Diesse. Artigo publicado originalmente com o título "A desoneração da folha e o emprego".