Indonésia, Austrália bolivariana e o tino comercial da família Huck 

A Indonésia é que está certa, aqui no Brasil a gente precisava disso.” Quem não se deparou com variantes desta frase desde que a presidenta Dilma, no início do ano, tentou interceder para evitar a execução de Marcos Archer, que atire a primeira pedra. 

camiseta luciano huck

A mídia hegemônica se não chegava a elogiar abertamente a execução, menos ainda defendia a atitude do governo brasileiro. Pelo contrário, os colunistas amestrados, com raras exceções, se fartaram de dar estocadas nas “prioridades” da política externa brasileira, “uma política terceiro-mundista, preocupada com a execução de um traficante em um país soberano”, como se a Dilma houvesse ameaçado invadir a nação asiática.

A política externa terceiro-mundista da…Austrália

Seria a Austrália um país bolivariano? Terceiro mundista? Não, até a Raquel Seherazade, cuja fama não provém de uma vasta cultura, sabe que a Austrália é uma monarquia constitucional aliada fiel dos EUA e principalmente da Inglaterra, da qual – apesar de formalmente independente – é ainda uma espécie de colônia, tanto que a rainha da Austrália, Elizabeth II, é também a rainha do Reino Unido. Pois bem, a Austrália, esta perigosa pátria “vermelha”, está sendo ainda mais veemente do que o Brasil ao protestar contra a anunciada execução de dois cidadãos australianos condenados à morte por tráfico pelo governo da Indonésia. Nesta quinta-feira (5), o governo australiano propôs à Indonésia a troca de presos e, caso a oferta não seja aceita o país da oceania ameaça com retaliações diplomáticas e até econômicas, pois já avisou que pode boicotar o turismo à Indonésia caso as execuções de fato aconteçam. Tony Abbott, primeiro-ministro, lembrando da ajuda australiana por ocasião do tsunami que atingiu a Indonésia, declarou que a execução terá consequências para as relações entre os dois países e apelou: “Nós da Austrália sempre estivemos aqui para ajudá-los e esperamos que vocês retribuam”. Declarou ainda Tony Abbott que não se trata apenas da vida de dois cidadãos australianos, mas também da “defesa dos nossos valores”. Nossa elite e seus porta-vozes midiáticos são tão atrasados que mesmo isso eles não conseguem entender. Mas engraçado, até agora nada de atacarem o primeiro-ministro da Austrália. A mídia hegemônica é tão pragmática politicamente que não é fiel sequer às suas convicções.

Estímulo ao obscurantismo

A frase que abriu estas notas foi ganhando contornos cada vez mais agressivos, envolvendo até piadas onde o presidente indonésio era o herói e a presidenta Dilma o alvo principal, pois tudo que o obscurantismo precisa é de um estímulo. E estímulo neste sentido foi o que não faltou em nossa mídia hegemônica. Com a palavra, Raquel Seherazade, apresentadora do SBT e da Jovem Pam. Ela afirmava que a presidenta Dilma estava fazendo apenas "mise en scène" e fulminava: “ao contrário do Brasil, considerado a principal rota de cocaína na América do Sul e cujas fronteiras dão boas vindas a traficantes de todas as partes, a Indonésia se esforça ao máximo para extirpar o tráfico de suas ilhas”. Para Seherazade, conhecida por defender linchamentos (de negros e pobres, é claro), Marco Archer "deu azar de ser flagrado num país sério, onde a Justiça dá o exemplo: aqui se faz, aqui se paga". Seherazade mostrou que continua em sua melhor forma: não sabe nada sobre o que pretensamente comenta.

A verdadeira Indonésia

Começa que qualquer comparação entre a situação política, econômica ou social entre Brasil e Indonésia é ridícula. O Brasil não está bem colocado no Índice de Desenvolvimento Humano. Embora o IDH brasileiro tenha aumentado significativamente desde o governo Lula, ainda somos apenas o 79º país no ranking do índice. Mesmo assim estamos 29 posições a frente da Indonésia. No índice de corrupção da Transparência Internacional, a Indonésia está 42 posições pior do que o Brasil. Mais ridícula ainda é a ideia da Indonésia como exemplo de pátria onde as leis são rigorosamente cumpridas, coisa que só a má-fé de uma mídia corrupta pode sustentar. 

A verdadeira Indonésia, depoimentos

Ana Becker, que morou na Indonésia, em artigo publicado no site Medium Brasil, diz que o que achou mais engraçado nesta discussão sobre a Indonésia foi justamente “o aplauso à correção e ao cumprimento das leis naquele país. Eu morei na Indonésia, e o pouco que eu sei e aprendi por lá é suficiente para achar essa ideia absurda”. Relata Ana: “Em uma das minhas entradas no país tive que dar meu telefone para o agente da imigração, que ameaçou retê-lo caso eu não liberasse o número. Vários amigos tiveram bolsas abertas na salinha da imigração. ‘Ah, brasileiro? Meu filho adora futebol. Vai gostar muito dessa camiseta do Ronaldo’. Pegavam, numa boa, e saíam fora. A corrupção é tão institucionalizada que, quando tu tá por lá, tu enxerga ela todos os dias. To-dos”. O engenheiro Rogério Paez, que ficou oito anos no mesmo presídio que Archer na Indonésia, declara: “Nada na Indonésia faz sentido. Quem vende a droga é a polícia. Na maior boate de Bali te oferecem ecstasy. Na cadeia, tem todas as drogas. E, se o preso tiver dinheiro, pode conseguir de tudo”. Existem celerados que, faltando argumentos, sugerem que as pessoas de esquerda "vão para Cuba". Não seria o caso de lançarmos uma campanha: "coxinhas, vão para a Indonésia"? Não, é claro que não. Somos internacionalistas e os trabalhadores indonésios já têm problemas o suficiente.

Inferno astral da família Huck: ‘o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo’

Nesta primeira semana de março a família Huck viveu um inferno astral. A apresentadora global Angélica esteve na Uni-Rio para uma gravação com atores da série chinfrim chamada Malhação. Mas como os tempos são outros e há muito a máscara caiu, estudantes começaram uma grande vaia e em coro gritaram: “O povo não é bobo! Abaixo a Rede Globo!”. O resultado foi uma saída rápida pela direita (disso eles entendem) sem conseguir fazer a matéria (veja o vídeo abaixo). Nesta terça-feira (3) o tucano Luciano Huck – que não é tucano pelo tamanho do nariz, mas por ideologia mesmo – sofreu fortes críticas contra sua marca de roupas. Crianças vestiam camisas de sua estampa com a frase “vem ni mim que eu tô facin” (veja a foto no topo), uma irresponsável promoção comercial da sexualização precoce. Em sua página do Facebook, Huck ainda tentou se desculpar, publicando uma mensagem nesta sexta-feria (6): “uma estampa direcionada ao púbico adulto foi lamentável e indevidamente replicada num modelo infantil”. Mesmo que seja verdade o que diz o global tucano (global tucano quase chega a ser um pleonasmo), muitos consideram que o “Vem ni mim que eu tô facin” de qualquer maneira só reforça a imagem da mulher como simples objeto para uso masculino. Tudo isso em plena semana do Dia Internacional da Mulher. E viva a família Huck, sinônimo do padrão Globo de qualidade.
  

A coluna Notas Vermelhas de hoje contou com a contribuição do jornalista Marcos Pereira Fernandes, autor da nota "Inferno astral da família Huck".

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