Entrevista: representante do Cebrapaz visita Sahara Ocidental

Marcos Tenório, presidente do Núcleo do Centro Brasileiro de Solidariedade e Luta pela Paz (Cebrapaz) do Distrito Federal viajou, no início de março, ao Sahara Ocidental. Por dez dias, ele acompanhou de perto a situação desta população e sua luta pelo direito a autodeterminação.

Sahara Ocidental

Em sua visita, Tenório pode conversar com as autoridades saharauis, conhecer um pouco mais as ações em busca por liberdade e a relação do Sahara Ocidental com outros países como o Brasil. “O governo local tem uma enorme expectativa quanto ao reconhecimento por parte do Brasil. Eles são reconhecidos atualmente por 82 países, de todos os continentes. Mas, o reconhecimento é, sobretudo, na África e América Latina”.

Vermelho – Qual foi o objetivo da viagem?

Marcos Tenório – Fui convidado pela Frente Polisário de Libertação Nacional, para participar da Maratona do Sahara, da Conferência Internacional de Cultura e para encontrar dirigentes do Governo da República Árabe Saharauí Democrática (RASD).

Com quais lideranças saharauís você se encontrou?

Tive a oportunidade de encontrar com o Primeiro Ministro da RASD, Abdelkader Taleb Omar, ocasião em que dialogamos sobre o esforço do Governo em obter o reconhecimento dos países da América Latina, principalmente o Chile, a Argentina e o Brasil, os três que ainda restam reconhecer a República Árabe Saharauí Democrática. O Primeiro Ministro pediu o apoio dos partidos do campo democrático e popular, das entidades de trabalhadores e das entidades de solidariedade internacional, para que pressionem o Governo da presidente Dilma Rousseff a reconhecer o seu país. Os saharauís alimentam uma grande expectativa com este reconhecimento, para fortalecer enormemente a sua luta.

O senhor Abdelkader Taleb Omar falou sobre o quanto o seu país necessita de ajuda humanitária e apoio para continuar resistindo à ocupação marroquina, as agressões e à luta pela reconquista do seu território ocupado há mais de 40 anos.

Também fui recebido pelo ministro do Esporte e Juventude da RASD, Mohamed Moulud. O povo do Sahara acompanha muito e torce pelos times de futebol do Brasil. Sabem nomes de clubes, de jogadores e sabiam o que se passava durante a Copa do Mundo. O desejo da RASD é estabelecer parcerias com o governo brasileiro no sentido de estreitar os laços esportivos, trazer atletas saharauís de diversas modalidades esportivas para treinar e se preparar no Brasil.

Fui recebido pelo Secretário da Frente Polisário de Libertação nacional, que é a organização política que dirige o Governo. Na conversa com o senhor Salem Lebsir, tratamos sobre o apoio dos movimentos socais para o reconhecimento da RASD pelo Brasil e para a realização de atividades que dêem conhecimento ao povo brasileiro da situação do povo saharauí, que vive uma situação de ocupação e exílio. Uma população que há 40 anos amarga a ocupação do seu território.

Qual foi sua impressão sobre a organização da luta por liberdade do povo da região? O que pode contar, a partir de sua visita?

Apesar da ocupação e das agressões do Reino do Marrocos, e por viverem há 40 anos refugiados nos campos do território argelino, o povo saharauí mantém o seu moral elevado. Pude conversar com muitas pessoas, e todas têm ampla consciência e conhecimento da situação e da história da luta do Sahara. E têm um nível muito grande de organização. São várias organizações de mulheres, jovens, crianças… A Frente Polisário e seus dirigentes são muito queridos e respeitados pela população. As pessoas se referem a Frente Polisário como o núcleo dirigente da luta de libertação nacional. Em todas as manifestações que presenciei, ouvi muitas palavras de ordem fazendo referência à Frente Polisário.

E sobre as condições do povo, o que observou?

O povo do Sahara vive em condições muito precárias. Eu fiquei no campo de refugiados de Smara. É um assentamento humano onde sobrevivem mais de 35 mil pessoas e em condições bem precárias, de moradia, de infraestrutura, de alimentação e água. Mesmo assim, não ouvi reclamações e nem desapreço pela condição em que vivem, porque sabem que é decorrente da ocupação marroquina, que subtrai as terras férteis e as riquezas nacionais, em benefício do Reino do Marrocos.

Qual é a relação atual do povo saharauí com o Brasil? Eles contam com o apoio brasileiro para ajudar na solução do problema?

O governo da RASD tem uma enorme expectativa quanto ao reconhecimento por parte do Brasil. A RASD é reconhecida atualmente por 82 países, de todos os continentes. Mas, o reconhecimento é, sobretudo, na África e América Latina. O Saara integra a União Africana e a União Andina. Embora um país árabe, não é reconhecido pelos países da Liga Árabe e nem pela organização. A Liga Árabe reconhece apenas o direito do Sahara Ocidental lutar pela sua autodeterminação. Atualmente a ONU reconhece o domínio do Marrocos sobre o território saharaui, mas o Conselho de Segurança aprovou, em 1991, uma Resolução para que seja realizado um referendo, até hoje não realizado, devido às gestões e o boicote do Reino do Marrocos, que conta com o apoio de seus aliados na França e EUA.

Existe a possibilidade de uma solução pacífica? Qual sua avaliação a partir do que observou em sua visita?

A solução pacífica é a mais possível, embora o Sahara esteja em, digamos, "guerra técnica" com o Reino do Marrocos. O seu território está ocupado e parte dele cercado por um muro e um campo minado, com mais de cinco milhões de minas terrestres. Existem esforços políticos sendo feitos por uma solução. A determinação da Frente Polisário é de negociar. Mas o que se observa da parte do Marrocos é uma atitude intransigente. Não só em se negar a dialogar e respeitar as resoluções da ONU e do Tribunal Internacional, mas por continuar com as agressões militares, as prisões e torturas.

Teve contato com refugiados? Qual a situação?

Visitei três campos de refugiados. Estive em Smara, onde permaneci mais tempo, o campo de Rabouni, onde fica a sede do governo, ministérios e da defesa, e Al Mahbas 27 de fevereiro. A situação de vida das pessoas é muito difícil. Vivem em Raimas (casas que se confundem com tendas) com quase nenhuma estrutura. São mantidos por ajuda humanitária, pelo esforço internacional de solidariedade coordenado pela Frente Polisário e por pequenos serviços. Mesmo assim, dispõem de escolas, de hospitais e de postos de atendimento. A maioria dos jovens que têm curso superior (medicina, enfermagem, fisioterapia, pedagogia ou engenharia), foi formada em Cuba. A Venezuela fornece uma importante ajuda para a educação das crianças saharauis. Muitos movimentos de amizade, principalmente da Europa, fornecem ajuda humanitária em diversas áreas e desenvolvem vários programas de intercâmbio educacional.