Jorge Romero: A festa da democracia nunca será para todos    

A cobertura das manifestações pró-impeachment realizada pela grande imprensa não poupou elogios ao que foi considerada a grande "festa da democracia". Curioso observar o uso das palavras "festa" e "democracia".

Por Jorge Henrique da Silva Romero*
 

 

A Paulista vermelhou com vitória de Dilma

Vladimir Safatle respondeu com boa ironia em sua coluna no jornal Folha de São Paulo, no dia 17 de março, ao afirmar que: “E eu que achava que festas da democracia normalmente não tinham cartazes pedindo golpe militar, ou seja, regimes que torturam, assassinam opositores, censuram e praticam terrorismo de Estado”.

No entanto, sempre que há deslocamentos políticos arbitrários a imprensa garante seu ingresso na festa ao armar a arquitetura discursiva das forças totalizantes. No golpe de 1964 que empossou Castelo Branco, a imprensa considerou sua "posse" como uma verdadeira "festa" comemorada por todo o Brasil, que observava atentamente o “ressurgimento” da democracia subtraída.

O Estado de São Paulo também não deixou de lado seu incondicional apoio ao novo regime e declarou: "Democratas dominam toda a nação". Nesse sentido, é sempre bom lembrar uma frase do escritor português José Saramago, que numa entrevista a El Correo de Andalucía afirmou que “O grande problema do nosso sistema democrático é que permite fazer coisas nada democráticas democraticamente”.

Essas imagens parecem representar o mais puro e banal conceito de espetáculo, que consiste na manipulação de discursos para legitimar democraticamente as posições mais antidemocráticas possíveis. O mais engraçado é que alguns meses atrás a "festa da democracia" não parecia ser outra coisa senão a eleição presidencial, que me parece foi vencida por Dilma Rousseff.

*Jorge Romero é linguista, mestre em Teoria e História Literária pela Unicamp e autor do livro “As formas da Inspiração: linguagem e criação poética em Patativa do Assaré”.