Demóstenes, Caiado, Agripino e ACM Neto

O ex-senador Demóstenes Torres (DEM) era considerado pela Revista Veja o guardião da moralidade do Congresso Nacional, um político acima de qualquer suspeita – símbolo da ética no país. Escolhido pela mídia como o porta voz da oposição, ele tinha o privilégio de frequentemente ocupar os telejornais para fazer acusações de corrupção contra o governo e o PT.

Por Geraldo Galindo*

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Depois se descobriu que ele trabalhava para a organização criminosa comandada por Carlinhos Cachoeira, um audacioso esquema de contravenção. Com o mandato cassado, caiu em desgraça e sumiu do noticiário.

E eis que, após um prolongado período em silêncio, ele volta à ativa. Em um extenso artigo publicado nesta terça-feira (31/03) no Diário da Manhã, em Goiânia, o ex-procurador traz sérias denúncias e ameaças contra o senador Ronaldo Caiado (DEM), a quem acusa de “fascista” “mau-caráter”, “verme” e outros termos pouco amigáveis (ver aqui).E logo depois veio a tréplica do antigo vestal da ética anunciando que Caiado cairá nos próximos dias.

Ronaldo Caiado repete no parlamento o estilo Demóstenes de enganar e manipular. Como um dos principais cardeais da direita brasileira, usa os holofotes da mídia para bradar contra a corrupção e defender teses abertamente reacionárias. Seu ex-correligionário não ficou nada satisfeito quando soube das declarações dele de que estaria decepcionado com o ex-parceiro de tantas jornadas. Em tom ameaçador, Demóstenes mandou um recado duro ao antigo aliado no penúltimo parágrafo ao final do texto: “Continue fingindo que é inocente e lembre-se que não está na sarjeta porque eu não tenho vocação para delator. Tome suas medidas prudenciais e faça-se de morto”. Possivelmente, deixou aí a senha para futuras denúncias que podem desmoralizar mais um falso moralista, tão em moda num momento de crise política. Demóstenes jura não ter vocação para delator, mas não se pode confiar em juras de quem jurava ser honesto.

Numa parte do referido artigo, outro “arauto da moralidade”, Agripino Maia (DEM-RN) é citado como beneficiário do “esquema goiano” – provavelmente dinheiro sujo originário dos subterrâneos do crime. Cabe lembrar que o senador potiguar, coordenador da campanha de Aécio Neves, foi acusado por um empresário de ter recebido propina no valor de R$1 milhão para aprovar uma lei que obrigaria a inspeção veicular no Rio Grande do Norte, razão da abertura de um inquérito no STF para investigá-lo, a pedido de Rodrigo Janot, procurador-geral. Caiado e Agripino tem em comum, além de serem da mesma agremiação que abriga herdeiros e viúvas da ditadura militar, terem participado no dia 15 de Março de atos contra a corrupção. Se Demóstenes não tivesse sido desmascarado, provavelmente também estaria presente.

Ao tentar sair do ostracismo, o ex-principal expoente do DEM no cenário Nacional envolveu em comentários sobre o futuro de Caiado outro prócere da legenda bizarramente denominada de Democratas, o prefeito de Salvador: “Seguirá as ordens de seu chefe político ACM Neto, que financiou sua última campanha em Goiás e que lhe assegurou, caso perdesse a eleição, o confortável posto de secretário de saúde em Salvador, em cuja região Caiado costuma passar suas férias às expensas da empresa OAS. Em condições normais, é difícil entender porque um prefeito de Salvador mobilizaria recursos para a campanha de um senador em Goiás e mais ainda, prometer trazer um representante do latifúndio e dos ruralistas pra ser secretário de Saúde numa cidade que conta com tantos quadros qualificados na área.

Demóstenes Torres não é um exemplo do que podemos considerar sinônimo de seriedade, muito pelo contrário. Ele conseguiu enganar os incautos durante um bom tempo, se passando como homem honesto e ao mesmo tempo colocando sua influência e prestígio políticos a serviço de operadores da jogatina ilícita. Na troca de acusações entre ele e Caiado, suponho que ambos estejam cobertos de razão – há muita sinceridade nos depoimentos. E encerro trazendo um antigo adágio da cultura popular, que muito bem poderia ser lembrado neste caso: “em briga de gângsteres, malandro fica de fora”.

*Geraldo Galindo é da direção estadual do PCdoB Bahia.