Beto Almeida: Dilma não precisa de lei de mídia para se comunicar 

O governo Dilma não precisa de uma lei da mídia, pelo menos por enquanto, para fazer chegar ao público sua versão dos fatos, coisa que se revelou impossível dada a cartelização da mídia corporativa e o massacre do direito de resposta. Esta é a conclusão do jornalista Beto Almeida, ativista da democracia da comunicação e conselheiro da Telesur, a maior experiência latino-americana de multiplataforma – televisão e portal na web – de mídia alternativa. 

Dilma não precisa de lei de mídia para se comunicar

“Tem muito o que fazer de modo operativo. Pode alterar, via portaria, sem depender do Congresso portanto, os critérios para a distribuição da publicidade institucional, deixando de discriminar a comunicação comunitária, universitária e educativa. Pode, ademais, acelerar o processo de implantação da TV digital em sinal aberto, incluindo TVs comunitárias e universitárias”, exemplifica Beto.

As últimas eleições e o clima político ainda deflagrado no país evidenciam o quanto a comunicação é crucial para o desenrolar saudável de uma democracia. A atuação cartelizada e o comportamento partidário da imprensa corporativa brasileira produzem sérias distorções que num ambiente extremado dá espaço a soluções antidemocráticas e desrespeitosas ao Estado de direito tão duramente conquistado no fim do século passado.

A renovação ocorrida no Ministério das Comunicações e na Secretaria de Comunicação da Presidência abre a possibilidade de uma discussão sobre mudanças na política governamental que visem fortalecer o debate plural na sociedade. O tema é urgente dada a ofensiva da grande mídia que impõe sua agenda e quer a garantia de que as verbas publicitárias estatais serão somente suas ad infinitum.

Para abordar com propriedade esse debate, o Blog dos Desenvolvimentistas entrevistou Beto Almeida, jornalista e conselheiro da rede de TV multi-estatal Telesur. Beto constata um ambiente desfavorável para regulamentação entre os parlamentares; indica medidas executivas, que independem dos congressistas, com potencial de democratizar a imprensa; e questiona arduamente qual a razão do PT não possuir um jornal de massas.

Confira a íntegra:

Desenvolvimentistas: O atual ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, assumiu a pasta com o entusiasmo dos movimentos sociais. Até agora sua gestão correspondeu às expectativas? Qual é a linha de atuação do ministro?

Beto Almeida: O entusiasmo do Ministro Berzoini com a regulamentação democrática da mídia não significa que ele tenha condições de alterar a situação adversa que está instalada no Congresso. O ex-ministro, Paulo Bernardo, além de ter engavetado as Teses da Confecon, chegou a afirmar que os petistas queriam censura por pretenderem a regulamentação midiática, além de ter ido ao Congresso da Abert para defender, entre outras coisas, a flexibilização da Voz do Brasil, causa preciosa para a patronal midiática. Seguramente, Berzoini vai trabalhar noutra direção, além de voltar a dar prioridade à Telebrás como empresa pública e à expansão da banda larga via presença da estatal, o que o ministro anterior, por razões óbvias, desprezou. Creio que o Ministro Berzoini, muito embora não possa alterar o travamento da democratização da mídia no Congresso, tem muito o que fazer de modo operativo. Pode alterar, via portaria, sem depender do Congresso portanto, os critérios para a distribuição da publicidade institucional, deixando de discriminar a comunicação comunitária, universitária e educativa. Pode, ademais, acelerar o processo de implantação da TV digital em sinal aberto, incluindo TVs comunitárias e universitárias. Isso é concreto, não passa pelo Congresso, está a nível de executivo. Pode, além disso, assumir posição clara em defesa da Voz do Brasil, noticiário radiofônico efetivo, amplo, plural, democrático, que, na prática, é uma regulamentação midiática em favor da diversidade informativa. E utilizá-la, dentro da lei, de modo mais adequado para informar sobre aquilo que diz respeito à vida dos cidadãos, pois é um noticiário de estupenda capacidade de comunicação popular!

Quais as principais propostas dos movimentos ligados a Comunicação Social? Que críticas fazem em relação ao atual modelo de imprensa?

Os movimentos sociais criticam, corretamente, a postura fascistóide dos meios de comunicação comerciais. Entretanto, por não ter sido construída nos 12 anos uma correlação de forças em favor da democratização da mídia, por ausência de iniciativas tanto do governo como do PT, os movimentos sociais não podem apenas apostar todas as fichas na Lei da Regulamentação da Comunicação, pois o Congresso é, atualmente, largamente desfavorável. Há apenas um efeito pedagógico, mas de concreto, não se avança. Para se ter uma ideia, até mesmo segmentos das esquerdas abraçaram a tese da flexibilização da Voz do Brasil proposta pela Abert. As críticas são justas, pela concentração, pelo elitismo, pelo anti-nacionalismo, pelo seu caráter antipatriótico, alienante, consumista, aberrante, embrutecedor etc. Mas, não há até o momento uma consciência clara de que as esquerdas podem e devem fortalecer as TVs e rádios comunitárias. Há exemplos importantes neste sentido, mas, a esquerda e o movimento sindical podem ocupar e fortalecer muito mais as TVs comunitárias, chegando a milhares e milhares de brasileiros com suas mensagens.

Porque a imprensa corporativa praticamente opera numa só direção? Qual a origem desse discurso único?

Há algo intocável em história: A Luta de Classes! Muitos setores de esquerda se iludiram pensando que isto não existe mais. Deixaram, com isto, de aproveitar oportunidades políticas para se construir uma mídia própria, acreditando que quando necessário poderiam ter espaços na mídia corporativa. Eis que esta mídia cada dia é mais fascistizante, mais raivosa contra a democracia, contra os partidos de esquerda, os sindicatos. A origem deste discurso é que quando a burguesia percebe que não pode mais deixar governos populares governando, ela adota o discurso do golpe. Isso é luta de classes. Não há nenhuma chance desta mídia corporativa tornar-se plural, democrática, diversificada. Por acreditar nisto, a esquerda brasileira hoje está desarmada de mídia própria, sob um dilúvio tremendo de mentiras e ataques, e não tem sequer um panfletinho para responder. As ilusões cobram muito caro em história!

Porque o governo é tão imóvel quanto as medidas que democratizam a imprensa? Como explicar essa paralisia?

Medo. Combinado, agora, com falta de maioria parlamentar para mudar a Constituição. Mas, há iniciativas que não requerem mudanças constitucionais. Democratizem a distribuição da publicidade institucional alcançando também as mídias comunitárias, universitárias, sindicais, populares. Parem de reprimir o movimento de rádios comunitárias, pois no governo Lula houve uma onda de repressão, apreensão e destruição de equipamentos de rádios comunitárias, o que não está previsto na lei, que prevê apenas a interdição dos equipamentos. O governo deve indenizar o movimento de rádios comunitárias por estes atos ilegais.