Bárbara Caldas: Café, brigadeiro e uma banana pro Jamie Oliver

O café vem com o agrado de uma pazinha, dessas de sorvete, só que com brigadeiro. Bebo devagar, presenteando a língua com um morno banho castanho escuro, castanho acre, para depois adoçá-la, num “morde assopra” sensorial aromático, líquido e cremoso. Café e chocolate. Brigadeiro numa pazinha. Brigadeiro num copinho. Brigadeiro numa colher… Brigadeiro, talvez o doce brasileiro por excelência.

Por Bárbara Caldas*, em seu blog

Barbara Caldas - Elis Rosário

Continuo a beber e, sem grandes razões, me ocorre que Jamie Oliver, em sua vinda ao Brasil em 2014, não gostou do nosso brigadeiro. Franzo a testa, desconfortável, enquanto trago à tela mental a imagem do famoso chef inglês empurrando um prato com nossos doces típicos, adjetivando-os com palavras pouco respeitosas e até chulas.

Lembro que no prato havia também um quindim, e que o gesto tão unkind de nosso ilustre hóspede teve como suporte a infeliz gargalhada da entrevistadora que lhe oferecera os quitutes num gesto inseguro, um tanto bajulador, como a pedir desculpas pelas nossas tradições. Como a pedir desculpas por sermos portugueses e gostarmos de gemas adocicadas. Por sermos negros e termos gosto pelo coco em nossas mesas. Por sermos muito misturados e trazermos no sangue o melaço dos engenhos e dos canaviais que construíram boa parte de nossa história.

O pensamento voa, rápido, e ainda estou no meio da xícara a olhar o brigadeiro e a pensar se o chocolate deste é belga, meio amargo e qual a sua porcentagem de cacau, se a cozinha do local proporcionou um bom equilíbrio entre o melado e o rústico ao paladar da clientela. Brigadeiro gourmet. Brigadeiro amigo, fiel companheiro a unir mulheres que riem ou choram às colheradas em torno de uma panela quente. Doce confidente. Doce de união, a juntar comadres risonhas fazedoras de negras bolinhas. Doce de festa, de memória das boas infâncias. Doce apaziguador, a acalmar os desvarios femininos em dias de hormônios destemperados. Penso que se estou num dias destes, ponho as mãos nas cadeiras e ensino ao ilustre chef a ter boas maneiras na casa alheia e, de quebra, à sua servil entrevistadora, senão a se dar o respeito, pelo menos a respeitar nossas identidades. Em dias normais, o convidaria à minha casa, para quebrarmos um coco, ralá-lo, separarmos as gemas, misturarmos o açúcar e dar a tudo o devido descanso para que não desande a cremosidade saborosa da negritude lusitana que levaremos, em banho-maria, ao forno.

Dou o último gole e, após tamanha viagem, pego a pazinha com a devida pompa e circunstância, pousando com delicadeza a massa castanha sobre a língua. Estranho. Nada da viscosidade acentuada e escorregadia, ou do esperado algo encerado que demora em desmanchar-se na boca. Nada de chocolate, seja ao leite ou mais forte. Um gosto de fruta tendendo ao caramelo. Me concentro mais e o reconhecimento não tarda. Averiguo que o tão homenageado brigadeiro na realidade era, e foi o tempo todo, uma bananada. Uma castanha e escura bananada, consistente e macia, pouco doce, com o sabor da polpa bem destacado. Surpresa, me divirto. Só me resta rir e apreciá-la.

Curiosa, chamo a garçonete, peço mais uma pazinha e destravo a matraca – que na verdade sempre anda solta –, a perguntar se a bananada é de fabricação própria, ela diz que sim, pergunto onde é produzida, e seguro ainda a vontade de indagar sobre os fornecedores da banana, imaginando que já estaria indo além do campo de conhecimento da simpática atendente. Emendo ainda, avançando, querendo saber sobre o café ali servido, qual a marca, a procedência do grão, enquanto vou alegremente usufruindo da minha pazinha extra da bananada que se apresenta como uma boa companhia à nossa bebida de todo dia.

Café com banana. Fico tão feliz que até penso em ensinar também ao Jamie Oliver a fazer uma bananada caseira, sem os requintes da que ali experimento, coisa simples, com aroma de lar, recendendo a cravo e canela. Serviria gelada, acompanhada de um bom pedaço de queijo Minas bem fresco, moderado no sal. Serviria com um agradável café selecionado. Nem cobraria pelas aulas. Tudo na amizade, assim, como a doce gentileza de dar uma bananada a quem fez por merecer uma generosa banana.

*Bárbara Caldas é escritora, em 2004 lançou o romance “O apartamento de baixo”