Haddad defende ações na Cracolândia e nega "higienização"

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), afirmou na noite da última quinta-feira (14) que as ações policiais ocorridas na chamada 'Cracolândia', na Luz, centro da capital paulista, têm objetivo de combater o tráfico e não de expulsar pessoas. “Higienização é tirar do local. Nós mantivemos lá. Oferecemos alojamento melhor, talvez não tão bom, mas melhor do que a situação na rua, alimentação e chance de trabalhar”, disse Haddad, que nos últimos dias tem sido alvo de críticas de movimentos sociais pela ação envolvendo a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana na região, no último dia 29.

Fernando Haddad

O vigário do Povo da Rua, padre Júlio Lancelotti, afirmou, em entrevista à Ponte Jornalismo, que o objetivo da ação não foi combater o tráfico, mas limpar a região para a inauguração do Teatro Porto Seguro. “O discurso que fazem era de que o tráfico estava usando as barracas e ninguém podia ver. Mas, no fundo, tinha de tirar as barracas para reformar a praça e começar a limpar o espaço para a inauguração”.

O professor de Relações Internacionais Reginaldo Nasser e a professora de Sociologia, Matilde Maria Melo, ambos da PUC-SP, participantes do debate, também criticaram as ações da prefeitura. Para Nasser, a repressão em Gaza, na Palestina, em Baltimore, nos Estados Unidos, e em São Paulo se assemelham. “É cada vez maior a articulação entre PM, GCM e subprefeituras na repressão às pessoas em situação de rua”, afirmou.

“O Braços Abertos esconde de alguma forma aquilo que se encontrava no Nova Luz, perverso projeto de revitalização do centro de São Paulo”, disse a professora Matilde, para em seguida emendar que “sim, se trata de higienização, de limpar a cidade, transformando-a em vitrine da especulação imobiliária”.

Haddad, porém, defendeu que é parte da obrigação do poder público manter o tráfico fora da Luz, também porque a ampla oferta de entorpecentes afeta a política de redução de danos do Programa De Braços Abertos. “Eu não posso deixar o trafico se instalar com barracas no espaço público. Quando isso corre passa a ter oferta de grandes quantidades, vem gente até do interior buscar. E aí a redução de dano é para inglês ver”, afirmou o prefeito, em debate realizado no teatro da Pontifícia Universidade Católica (PUC), sobre direito à cidade.

Ele ressaltou que o neurocientista e professor titular da Universidade de Columbia, e ainda dependente químico, Carl Hart, admira o programa. E que promotores de Justiça que haviam questionado judicialmente a Operação Sufoco, em 2012, por ações higienistas, aprovam a proposta atual. “Será que eu sou tão sedutor assim pra fazer essa pessoas mudarem de opinião?”, ironizou.

As pessoas que participam do programa não precisam largar vício, nem ser internadas. Elas passam a viver em um dos prédios alugados pela prefeitura na região, com direito a alimentação, acompanhamento médico e oportunidade de trabalho voluntário, mas remunerado em R$ 15, por dia. Segundo o prefeito, hoje 500 pessoas aderiram ao programa. Já o fluxo, região de consumo e venda de crack, teve redução de 1.500 para cerca de 300 frequentadores diários.

Haddad aproveitou para criticar o tratamento por internação, que ele considera ineficaz. “Mantém a pessoa presa, porque muitas vezes o que se quer é prender a pessoa. Mas depois de seis meses de internação, chega a 90% de reincidência. Outros estudos indicam que se você for oferecendo oportunidades a pessoa vai reduzindo o consumo”, defendeu o prefeito, que ressaltou que o objetivo do programa não é que a pessoa pare totalmente o consumo.

A proposta de internação, espontânea ou compulsória, é a principal política do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) para combater o vício do crack, através do programa Recomeço, que oferece até R$ 1.350 para pagamento de tratamento em clínicas de desintoxicação. Haddad lembrou ainda que a pretensão do governo estadual era de fechar todos hotéis da região que serviam ao tráfico de drogas e à prostituição.

“O objetivo do Braços Abertos é oferecer alternativa para que a pessoa retome sua vida. É óbvio que a quase totalidade não abandonou o vício, mas hoje já não consome da mesma forma”, afirmou, lembrando que reportagens à época do primeiro pagamento dos que ingressaram nas frentes de trabalho, mostrou que muitos dos beneficiários do programa compraram produtos pessoais. “Mas eu prefiro pagar o preço da incompreensão do que impossibilitar o tratamento e as oportunidades daquelas pessoas”, concluiu.