José Goulão: Que futuro para os direitos humanos?

O meu querido amigo Assírio Bacelar convidou-me a refletir um pouco para a chancela “Nova Vega” sobre o estado universal dos direitos humanos, já que tanto deles se fala, fazendo parte do menu obrigatório dos discursos dos dirigentes mundiais.

Por José Goulão, no Mundo Cão

Direitos Humanos - Reprodução

Uma reflexão com olhos postos no futuro, pelo que me pareceu óbvio tomar como base uma enumeração dos direitos humanos reconhecidos universalmente como tal, observar o que em torno deles se passa na atualidade e, a partir daí, de acordo com as relações de força dominantes no mundo, tentar antever a sua evolução. Nada de feitiçaria ou adivinhação, mas apenas, e tão só, um assentamento de pistas para reflexão com base em dados sobre de onde se partiu e onde estamos. Exercício aterrador, acreditem.

Comecei por ir à fonte natural, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o primeiro documento do gênero estabelecido à escala planetária, onde foram apostas as assinaturas dos países então existentes e cuja aceitação passou a ser uma condição para que cada novo Estado independente seja admitido nas Nações Unidas. Uma leitura elucidativa: como se o tempo estivesse à espera de poder mover-se, preso num magma de ideias e conceitos que os mais relevantes dirigentes mundiais aceitam e dizem aplicar, embora muitos deles se recusam a passa-los à prática, considerando-se a si mesmos os mais respeitadores dessas normas. Capazes até de fazer guerras e matar seres humanos em nome dos direitos humanos.

Sabem que o direito à vida é um direito humano, talvez o mais sagrado de todos eles? Que o direito à saúde universal e à educação, gratuita pelo menos nos primeiros quatro anos de escolaridade, são direitos humanos? Que o direito ao trabalho, à segurança social, a uma habitação decente, a um salário razoável capaz de garantir a subsistência digna das famílias são direitos humanos? Que a liberdade de expressão, mas também a de informar e ser informado e o acesso à cultura são direitos humanos? Que a comunicação cotidiana na língua materna, o acesso a uma pátria, a igualdade absoluta de direitos independentemente do gênero, opção sexual, raça, religião (ou não), etnia, lugar de nascimento e bens pessoais são direitos humanos? Que a preservação da privacidade pessoal e familiar são direitos humanos? São direitos humanos reconhecidos há quase 70 anos e que, na sua maioria e em muitos lugares do mundo, nunca saíram do papel. Sendo que, em circunstâncias que infelizmente não são raras, alguns que ganharam vida logo começaram a sofrer ataques para baterem em retirada.

Pois é, estes e outros direitos fundamentais têm as raízes na necessidade de garantir a dignidade de Ser Humano. No entanto, olhando em volta o que vemos? Todos os direitos humanos elencados na Declaração se tornaram subsidiários de um único, também aí citado: o direito à propriedade. Continuando ainda a olhar em volta, observando o drama que atinge os pequenos e médios empresários, os milhões de “empreendedores” que lutam pelo sustento em todo o mundo, o que vemos? Que todos os direitos humanos, incluindo os destes últimos, se vergam ao direito de uns quantos à grande propriedade. Fazem-se guerras para impor que assim seja, matam-se milhões de pessoas para que a especulação seja livre, condenam-se centenas de milhões de seres humanos à fome eterna, ao analfabetismo e a todas as velhas e novas doenças para que o mercado seja soberano, enfim livre.

No estado atual, os direitos humanos imanentes do Ser devem, pois, obediência aos direitos imanentes do Ter. E quando o Ser se submete ao Ter, o Ser Humano torna-se um ator secundário – um servidor – perante a arbitrariedade do lucro.

Os mais influentes dirigentes mundiais evocam e invocam os direitos humanos a todo o momento enquanto os desrespeitam; recorrem também a um descomunal e censório aparelho de propaganda capaz de encobrir e manipular atos que representam uma devastação dos direitos humanos fundamentais cometida, de fato, em favor do mais hipócrita de todos eles, o direito à especulação e à exploração.

Destas ideias nasceu um pequeno livro: O Futuro dos Direitos Humanos. Escrevi-o com o intuito de abrir pistas de reflexão e já está nas livrarias. Porém, se ficaram interessados/as convém pedi-lo expressamente – lê-se depressa e tem um preço módico – porque o tema é daqueles que “não vende” e por isso está condenado a ficar soterrado nas prateleiras e escaparates onde impera a lei do lucro. Ignorado, afinal, como os direitos humanos. Sinais do regime.