Cuca da UNE: uma rede estudantil de cultura, arte e rebeldia

A UNE retomou suas atividades culturais no ano de 1999, após a primeira Bienal de Cultura e Arte da entidade. A chamada nacional para as inscrições de trabalhos artísticos impressionou ao revelar a rica produção cultural e artística universitárias, surpreendendo à época os próprios realizadores do evento.

Por Patrícia de Matos*, no portal da UJS

Patrícia de Matos - Arquivo pessoal

Toda essa produção amalgamou uma experiência rica de diálogo com artistas, intelectuais (até o ex-jogador de futebol Dario "Dadá" Maravilha circulou para falar do futebol arte) e toda a energia que tomava os debates acerca dos temas e pautas reivindicatórias do movimento estudantil brasileiro. Eu não estava lá. Nasci em 1993 e a universidade era uma palavra que ainda não encontrava pronúncia “correta” na minha dicção. Mas só posso imaginar que foi catártico. Um caminho sem volta.

Sempre ouvi com estranhamento os questionamentos sobre a “situação da cultura brasileira”. Existe ainda uma ideia de que a cultura é algo que se quantifica facilmente e que é nivelável ao “pior” e ao “melhor”. Esses são os resquícios de um raciocínio ainda autoritário de quem considera que existe um determinado grupo social responsável por gerar a cultura, como se todo o povo que forja uma cultura diversa e complexa fossem meros objetos receptores dos símbolos produzidos por outrem. Durante muito tempo, considerou-se esse grupo “iluminado”, os europeus e suas cortes.

Ao longo das ditaduras, como o Estado Novo (1937 a 1945), e a ditadura militar de 64, foi o Estado quem assumiu o papel de gerador de cultura, implementando políticas antidemocráticas e repressivas. Na década de 1990, período em que o neoliberalismo espalhava-se no mundo, o mercado toma a dianteira. Todas essas experiências nos revelam na teoria e na práxis que as políticas que procuram desenvolver “a cultura” a partir de instituições e grupos sociais isolados só podem amargar o desastre.

Foi somente a partir do governo Lula e da posse de um músico ao Ministério do Cultura – o tropicalista Gilberto Gil – que o Brasil passa a adotar o conceito antropológico de cultura como base para a formulação de suas políticas culturais, reconhecendo, a partir de então, qualquer brasileiro ou brasileira como fazedor de cultura. A partir daí, um virtuoso processo de empoderamento passa a ganhar dimensão política e simbólica, conectando as mais diversas expressões culturais brasileiras, colocando-as em diálogo e abrindo espaços de participação para a formulação de políticas públicas através de conferências. Essa experiência materializou-se na rede dos pontos de cultura, dando impulso à articulação de movimentos culturais de novo tipo no país. O Cuca da UNE viveu profundamente esse processo, possibilitando a conexão da universidade aos saberes populares e bebendo da refinada arquitetura política que forjava-se através da concepção organizativa de “Rede”.

A atual geração vive imersa em uma crise política e institucional. Os setores conservadores em aliança com o oligopólio midiático arquitetam uma grande campanha contra os movimentos sociais, apresentando saídas individuais frente às possibilidades coletivas de organização. Uma agenda regressiva que anuncia um verdadeiro retrocesso civilizatório apresenta-se na esquina. Não obstante, a UNE vestiu as bandeiras da coragem e do compromisso com o povo brasileiro, conquistou a maior vitória da história do movimento educacional do país e segue firme na garantia dos direitos sociais já conquistados, revelando grande capacidade de reinvenção frente aos novos desafios.

No Coneb da Bienal da UNE, geramos, no espaço da Fundição Progresso-RJ, um grande encontro festivo e reflexivo, reunindo milhares de estudantes, a produção cultural e artísticas universitárias, movimentos sociais e agentes culturais da cidade maravilhosa. Foi através desse ambiente, em diálogo com o conjunto dos participantes e estudantes artistas presentes na 9a Bienal da UNE, que o Cuca foi relançado, agora com nova roupagem.

Realizamos um grande chamado aos estudantes para a construção de uma rede alternativa de circulação cultural e artística tendo como ponto de apoio as plataformas digitais, conectando territórios e gerando processos de colaboração onde a palavra de ordem é o trabalho coletivo. Se eles tem a grande mídia, que a universidade e o movimento estudantil brasileiro sejam laboratórios para a constituição de mídias alternativas capazes de disputar narrativa e o imaginário social. Se eles criminalizam a juventude, ocupemos as praças e as universidades de forma autônoma, batalhando nos microfones, bailando no passinho e no funk. Se eles destilam ódio, saiamos grafitando e fotografando amor. Se eles querem separar o nordeste do país, articulemos redes e quebremos a fronteira.

É tudo nosso.