Após 1 ano, acidente aéreo com Eduardo Campos não foi esclarecido

O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) ainda não concluiu as investigações sobre as causas da queda do avião Cessna 560-XL, em que morreu, em plena campanha eleitoral, o então candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos, e mais seis pessoas. O acidente ocorreu em Santos, no litoral paulista, no dia 13 de agosto do ano passado.

Após 1 ano, acidente que matou Eduardo Campos não foi esclarecido

Em nota, o Cenipa informou que está na fase final de análise dos dados, mas não estabeleceu prazo para a conclusão das investigações. Segundo o órgão, responsável por investigar acidentes aéreos no Brasil, foram feitos estudos e testes de performance e dos sistemas da aeronave, verificadas as habilitações e o treinamento dos pilotos, além das condições climáticas no dia do acidente e a manutenção do avião.

Em janeiro de 2015, o Cenipa descartou as hipóteses de que o Cessna tivesse colidido com aves, drones ou outras aeronaves. O avião, segundo relatório preliminar divulgado em janeiro, não estava voando invertido antes da queda, e os motores funcionavam no momento do impacto com o solo. De acordo com o Cenipa, os pilotos fizeram rota diferente da previsto na carta de aproximação por instrumentos para pouso na Base Aérea de Santos.

As investigações mostraram ainda que o gravador de voz do jato não registrou as conversas ou sons ambientes durante o último voo da aeronave. Segundo a assessoria da Aeronáutica, as duas horas de áudio gravadas e analisadas por peritos do Cenipa não correspondiam ao voo em que Campos e mais seis pessoas morreram.

Mesmo antes do fim das investigações, o Cenipa recomendou à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), no fim do ano passado, que fosse fiscalizada a obrigatoriedade do cumprimento da norma que prevê treinamentos de familiarização e de diferenças nas aeronaves da série CE560-XL, fabricadas pela Cessna Aircraft Company. Isso porque foi observado nas investigações que os pilotos não haviam passado pelo treinamento específico para o modelo do jato em que morreu Eduardo Campos, o assessor Pedro Almeida Valadares Neto, o assessor de imprensa Carlos Augusto Ramos Leal Filho (Percol), Alexandre Severo Gomes e Silva (fotógrafo), Marcelo de Oliveira Lyra (assessor da campanha) e os pilotos Marcos Martins e Geraldo da Cunha.

Polêmica sobre responsabilidade por acidente com Campos dificulta indenizações

O acidente  mudou a vida de Benedito Juarez Câmara, 69 anos, dono da academia que foi destruída com a queda do avião. Ela estava aberta e funcionando quando ocorreu o acidente e foi um dos locais mais afetados entre os imóveis da região. A aeronave caiu no terreno logo atrás do prédio. Alguns alunos ficaram feridos, mas ninguém se machucou com gravidade.

Juarez tinha a academia há 40 anos até que o acidente o fez fechar as portas. Há um mês, no dia 13 de julho, ele conseguiu reabrir apenas a área de musculação, enquanto a piscina ainda está sendo recuperada. Antes, eram 750 alunos, agora são apenas 100. Com toda a crise por que passou, precisou demitir dez funcionários, ficando com cinco.

Ele declarou que, com tanto tempo de experiência, já passou por várias crises, mas sentiu-se desrespeitado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). “Em um primeiro momento, pós-acidente, o PSB se comprometeu a pagar os danos todos e, no pós-eleição, veio aquela política de sempre: promete antes e sai fora depois.”

O acidente estragou o telhado, os equipamentos e as três piscinas. O empresário é uma das pessoas que recorreram à Justiça para receber indenização. Seu advogado, Alexandre Ferreira, informou que são duas ações: uma da pessoa física e outra da pessoa jurídica Mahatma Academia.

“Na ação do Juarez, há referência direta aos danos do imóvel, ao lucro cessante pela não utilização do imóvel e danos morais. Com relação à academia, temos um pedido de indenização material pelos equipamentos, porque foram inutilizados, e de lucro cessante pela perda dos alunos”, disse o advogado.

Os réus, nesse caso, são a empresa AF Andrade, que consta como proprietária da aeronave na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), que era o detentor da posse do avião na época, segundo Ferreira. O processo está em andamento e os réus já contestaram a demanda. Somente em relação aos danos materiais, cada ação pede aproximadamente R$ 1,8 milhão.

“O que temos percebido é que ninguém quer assumir a culpa pelo acidente, todo mundo foge da responsabilidade com relação à aeronave. Isso está dificultando o andamento do processo, porque quem tem os documentos efetivos sobre essa prova é o próprio PSB e a própria AF Andrade”, afirmou o advogado. Segundo ele, no Tribunal Superior Eleitoral, não há prestação de contas em relação à utilização do avião. “Então, isso tudo vai dando essa penumbra de que houve alguma coisa equivocada na cessão do avião”, completou.

A AF Andrade disse que “figurava única e exclusivamente como arrendatária da aeronave” e que, antes do acidente, transferiu os direitos do arrendamento aos empresários João Carlos Lyra e Apolo Vieira, que teriam permitido o uso pelo PSB. A empresa ressalta que não é responsável pelo avião porque “não estava na sua condução, não detinha seu controle técnico, não a explorava, não contratou os pilotos nem sequer tinha qualquer vínculo com as pessoas que estavam a bordo”.

O apartamento de Marlene, 65 anos, fica nos fundos da academia de Juarez. Lá, a aeroviária aposentada mora com as irmãs Miriam e Ivone. Na hora do acidente, estava na cozinha e viu o avião caindo atrás de um bambuzal, no terreno vizinho ao prédio em que mora. Ela contou que uma das turbinas entrou no apartamento em cima do dela.

“Foi terrível, aquela cena de guerra quando o avião caiu. Eu o vi acelerando e vindo na direção do meu prédio. A única coisa que eu gritava era “aqui não” e o avião acabou afundando atrás, no meu muro”, contou. Marlene não sofreu ferimentos, mas teve o cabelo chamuscado por causa da explosão. Seu apartamento sofreu avarias e as três irmãs só conseguiram voltar a morar no local cinco meses depois do acidente, em janeiro deste ano.

O seguro do condomínio pagou a reforma do imóvel, que ficou inundado para que os bombeiros apagassem o fogo do apartamento de cima. Os eletrodomésticos ela teve que repor, mas somente em partes, porque não tem todo o dinheiro. A aposentada espera, porém, receber a indenização por danos materiais e morais.

Ela contou que um perito contratado por João Carlos Lyra avaliou o prejuízo de sua residência em R$ 58 mil. Lyra propôs, então, o pagamento de R$ 19 mil e que a aposentada abrisse mão dos danos morais. “Impossível aceitar uma proposta dessa, porque as marcas não vão embora.”

O advogado Luiz Roberto de Arruda Sampaio, que representa 22 famílias e dois condomínios residenciais, tem como demanda dos clientes a indenização por danos materiais e morais. Os réus, nesses casos, são João Carlos Lyra e Apolo Vieira. “É uma opção do Código Civil que facilita muito a ação: você não precisa pegar outros eventuais culpados, que vão ficar brigando entre si e atrasarão o andamento do processo.”

De acordo com o PSB, as indenizações não cabem ao partido e sim aos proprietários do avião, com registro na Anac, ou ainda ao Bradesco Seguros, por quem a aeronave estava assegurada. A Bradesco Seguros informou que, até o momento, todas as indenizações solicitadas, com base na apólice em vigor na data do acidente, foram pagas.

O advogado de Lyra, Carlos Gonçalves Jr., não atendeu à Agência Brasil, porque esteve em reunião o dia todo. Tiago Garcia Clemente, que representa Vieira juridicamente, disse que não se manifesta sobre processo em tramitação na Justiça.

A Anac informou que aguarda a conclusão da investigação para verificar se haverá necessidade de eventual adequação nos procedimentos vigentes, conforme recomendações de segurança que vierem a constar no relatório final.

A Ouvidoria Móvel da Prefeitura de Santos cadastrou 32 famílias afetadas no local do acidente.