Carlos Lopes Pereira: Agrava-se a crise política no Burundi
Atentados, revoltas populares, violência policial, prisões arbitrárias e falta de diálogo estão agravando a situação política no Burundi.
Por Carlos Lopes Pereira, no Jornal Avante!
Publicado 13/08/2015 12:37
Trata-se da pior crise, neste país da região dos Grandes Lagos, desde a sangrenta guerra civil dos anos 1990, explicada como tendo sido causada por rivalidades étnicas – a maioria hútu contra a minoria tutsi, então no poder.
Em Bujumbura, na noite de domingo (9), ouviram-se ao longo de horas tiros e explosões, em confrontos entre a polícia e insurretos antigovernamentais nos bairros de Jabe, Nyakabiga e Cibitoke. De acordo com a revista Jeune Afrique, a população desses quarteirões levantou barricadas e reuniu grupos de autodefesa para enfrentar tanto a polícia como a milícia Imbonerakure, a organização de jovens do partido no poder, uma e outra fortemente armada. Segundo as autoridades, dos incidentes resultaram dois agentes da “ordem” feridos e uma viatura incendiada.
O Burundi está mergulhado numa complexa crise política e securitária desde finais de abril, quando surgiu o anúncio da candidatura do presidente Pierre Nkurunziza a um terceiro mandato. Partidos da oposição, instituições da sociedade civil e a Igreja Católica – não falando do presidente Barack Obama, dos Estados Unidos… – consideraram anticonstitucional a recandidatura.
Em maio, recorda a agência noticiosa angolana Angop, as autoridades frustraram uma alegada tentativa de golpe militar e desde então reprimiram com brutalidade as manifestações populares quase diárias nos bairros “contestatários” da capital.
Apesar de impugnadas pela oposição e classificadas como “não credíveis” pelas organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas, as eleições presidenciais realizaram-se em 21 de julho.
Naturalmente, Nkurunziza, de 50 anos, no cargo há uma década, foi reeleito com uma maioria de quase 70 por cento dos votos e a partir daí a violência aumentou. Nos bairros rebeldes, os insurgentes antigovernamentais organizaram-se e armaram-se, intensificando-se assim os confrontos armados com a polícia e o exército.
“Todos os focos de resistência estão pagando caro a oposição ao regime e os ataques com armas de fogo, as detenções e os assassinatos sucedem-se cotidianamente a um ritmo assustador”, denunciou Pacifique Nininahazwe, responsável pelo Fórum para a Consciência e o Desenvolvimento, uma plataforma da sociedade civil burundesa.
Mais recentemente, em 2 de agosto, o influente general Adolphe Nshimirimana, muito próximo de Nkurunziza e homem forte dos serviços secretos, foi abatido em plena capital, num ataque em que foram utilizadas armas pesadas contra a sua viatura.
No dia seguinte, Pierre-Claver Mbonimpa, um veterano ativista dos direitos humanos, foi ferido a tiro com gravidade, numa tentativa de assassinato, ao que parece como retaliação pela morte de Nshimirimana. Internado num hospital de Bujumbura, foi depois transferido para a Bélgica, para tratamento médico.
Nkurunziza pediu à população que se mantenha calma e alertou-a para o perigo de “cair na armadilha da vingança”.
Ban Ki-Moon apela ao diálogo
O percurso histórico do presidente do Burundi ajuda a compreender os contornos da situação atual.
Depois dos massacres inter-étnicos de maio de 1995, Nkurunziza juntou-se às Forças Democráticas de Defesa (FDD), o movimento militar hútu contra o poder vigente tutsi. Em 2001 liderava já as FDD, que dois anos mais tarde se transformaram em partido e venceram as eleições legislativas de 2005. As FDD e o seu líder mantêm-se no poder desde então, neste pequeno país de 10 milhões de habitantes, que faz fronteira com a Tanzânia, Ruanda e com a República Democrática do Congo.
Hoje, com o agravamento da crise burundesa, redobram os esforços diplomáticos para evitar o pior – uma nova guerra civil que poderia alastrar-se por toda região, com frágeis equilíbrios étnicos.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, exortou o presidente Nkurunziza a retomar o diálogo político inclusivo com a oposição e incentivou-o a agir em estreita colaboração com a Comunidade da África Oriental. Voltou a apelar a todos os burundeses para que resolvam as divergências de forma pacífica, com a mediação do presidente Yoweri Museveni, de Uganda.
Ao longo das duas últimas décadas, prestigiados dirigentes africanos, primeiro Julius Nyerere, da Tanzânia, depois Nelson Mandela e mais tarde Jacob Zuma, da África do Sul, trabalharam como mediadores pela paz no Burundi. Já em 2015, duas tentativas de mediação falharam, esperando-se agora que Museveni consiga estabelecer a reconciliação nacional burundesa.