Limites e efeitos da ciência são tema de exposição hiper-realista
Esculturas que misturam o realismo e o fantástico, com inspiração em pesquisas de biotecnologia e engenharia genética, estão na primeira exposição da artista Patricia Piccinini no Brasil, chamada ComCiência. As obras, que circulam entre o hiper e o surrealismo, têm características humanas, escala de tamanho real e questionam os efeitos da ciência, além dos limites morais e éticos do homem no mundo contemporâneo.
Publicado 20/10/2015 12:23
Realidade e fantasia ajudam a artista a refletir também sobre o conceito de beleza e normalidade. Em “O visitante bem-vindo”, uma criatura estranha, com traços de primatas, está diante de uma menina, em cima da cama. Ela sorri encantada, sem nenhum medo ou estranhamento. Para uma criança, a percepção do que é considerado belo pode ser muito abrangente, incluindo o ser mutante que está diante dela. “Trata-se de uma obra sobre a aceitação”, diz o curador Marcello Dantas.
Na cabeceira da mesma cama, está um pavão, que, segundo a artista, tem a beleza como vantagem seletiva. Piccinini escreve: “Minhas criaturas, apesar de estranhas e por vezes inquietantes, não são assustadoras. Em vez disso, é a sua vulnerabilidade que muitas vezes vem à tona. Elas pedem que olhemos além de sua estranheza, nos convidando a aceitá-las”.
A intenção da artista foi contemplada. “O carisma e o afeto com os seres humanos, essa conexão com um ser que, para nós, parece tão estranho e tão feio, nos remete também ao belo. Esse afeto transcende a feiura, é muito belo”, disse Paloma Costa, 38 anos, ao visitar a exposição. “Isso me faz refletir, não é uma coisa assim tão utópica chegar ao futuro e os cientistas começarem a perceber essa mistura entre ser humano e outros animais para criar habilidades. Me abriu a mente”, acrescentou.
Em outro momento da mostra, uma criança sustenta seu corpo com apenas um dos braços, é um garoto aparentemente forte. Mais de perto, o menino não parece completamente humano, seus dedos dos pés são grudados, como uma nadadeira, e seu rosto lembra uma foca. Piccinini traz ao público a questão das mutações em laboratório, questionando se seriam seres superiores ou ainda super-heróis, uma resposta que ainda não temos. “Te faz pensar que, de repente, o teu filho pode ter genes de um morcego, que pode ver no escuro e pode ter habilidades daquele animal”, disse Paloma.
As mutações genéticas, que permeiam o trabalho da artista, podem ser vistas ainda nas obras chamadas “Metaflora”, em que flores são compostas de pele semelhante à humana, cabelo, línguas e garras, refletindo sobre o cultivo de alimentos geneticamente modificados. Segundo a artista, as pessoas são cercadas por modificações genéticas escondidas nos alimentos e animais, sem ao menos se dar conta disso.
Há também uma flor gigante que põe ovos, demonstrando uma junção de características animais e vegetais, com textura de pele humana. Essa espécie está no meio de um jardim com flores brancas em forma de ovário, o que reflete um desejo de reprodução e, por consequência, de sobrevivência.
Há quem faça relação entre as obras de Patricia Piccinini e Ron Mueck, que expôs na Pinacoteca de São Paulo, e que impressionaram pelo realismo dos personagens e pelo perfeccionismo do artista. Assim como Patricia, ele usou materiais como fibra de vidro, fios de cabelo e silicone para reproduzir cada detalhe do corpo humano.
A exposição ComCiência fica em cartaz até 4 de janeiro, no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro da capital paulista. A entrada é franca.