Câmara rejeita medidas de combate à sonegação

Mesmo em tempos de crise, a Câmara dos Deputados atuou na contramão dos esforços do governo para aumentar suas receitas e derrubou, na última terça (3), proposta que auxilia no combate à sonegação. Trata-se do mesmo Parlamento resistente à recriação da CPMF, imposto que além de ajudar a reequilibrar as contas da União, ainda é importante instrumento de fiscalização. Só em 2015, já foram sonegados quase R$ 440 bilhões no país.

sonegação

Na última terça (3) os deputados barraram os artigos da Medida Provisória 685/2015, que obrigavam contribuintes a informarem à Receita Federal sobre seus planejamentos tributários – operações feitas pelos contribuintes para pagar menos imposto. A proposta antissonegação foi apresentada pelo Ministério da Fazenda. Na Câmara, 239 deputados votaram contra e 169, a favor.

A Receita Federal, que considerava a medida uma forma de impedir abusos no planejamento tributário e de frear a sonegação de tributos, lamentou a decisão dos parlamentares.

"A não aprovação da Declaração de Informações e Operações Relevantes representa um retrocesso para a administração tributária brasileira no relacionamento com os contribuintes, uma vez que tal declaração já é adotada em diversos países, tais como África do Sul, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos", diz o órgão, em nota.

De acordo com o texto, a proposta tinha como objetivo permitir que os contribuintes tivessem mais segurança jurídica ao elaborar um planejamento tributário, “pois eles seriam avaliados quanto a sua legalidade pela Receita Federal, antes de qualquer procedimento de fiscalização, permitindo, dessa forma, um diálogo mais aberto e transparente entre a administração tributária e os contribuintes e, consequentemente, a redução e prevenção de litígios".

Na prática, significava maior cerco à “criatividade” dos contribuintes que tentam fugir do pagamento de impostos.

A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) tem a expectativa de que a decisão da Câmara seja revertida no Senado. "A nossa legislação tributária tem que ser atualizada. Esta é uma das constatações que construímos na CPI do CARF. Para que se tenha uma ideia, o nosso processo administrativo tributário é baseado em um Decreto-lei de 1972. Este descompasso é que alimenta manobras como o planejamento tributário”, disse.

De acordo com ela, há empresas que gastam mais no planejamento, tentando fugir dos tributos, do que em mão de obra. “Vamos enfrentar este debate aqui no Senado de forma tranquila, pois todos temos claro que o combate à sonegação é fundamental para o crescimento do país", avaliou.

A Declaração faz parte de um pacote de medidas que a Organização Para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) tenta implementar pelo mundo para combater a sonegação. Segundo o órgão, os principais objetivos do informe obrigatório são desvendar esquemas de evasão fiscal, identificar seus autores e reduzir a prática.

Os artigos rejeitados pelo parlamento estabelecem que, caso considere as operações dos contribuintes acintosamente sonegadoras, o Fisco tenha o direito de cobrar o imposto devido, inclusive multando o contribuinte em 150% do valor do imposto.

Calote graúdo

Num momento em que o governo federal promove um ajuste para tentar compensar a perda de receitas, o combate à sonegação deveria ganhar um relevo ainda maior. Os números do calote são impressionantes. De acordo com o Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), até o final do ano, terão sido sonegados cerca de R$ 500 bilhões de reais, valor 7,5 vezes maior que os R$66 bilhões do ajuste proposto pelo governo.

“Deste valor, cerca de 80% passaram por mecanismos sofisticados de lavagem de dinheiro. Os responsáveis pela sangria anual que deve ultrapassar os R$500 bi em 2015 (mais de 10% do PIB) são figuras poderosas (…) Como se não bastasse, o saldo da Dívida Ativa da União (DAU) registrou R$1,162 trilhão apenas de débitos tributários até o mês de julho. Isto, sem incluir os não tributários, que superam a cifra de R$300 bilhões”, aponta o Sinprofaz, em seu site.

A referência aos poderosos é justa, uma vez que a maior parte desses débitos (62% ou R$ 723,3 bilhões) pertence a cerca de 12 mil empresas. Juntos, apenas os 500 maiores devedores da União acumulam débitos de R$ 392,3 bilhões. E reconhecer essas irregularidades não é tarefa fácil, uma vez que as grandes empresas estão cercadas de advogados tributaristas, que utilizam os mais diversos mecanismos jurídicos para dissimular a sonegação.

“Quem sonega imposto no Brasil são os grandes empresários, os grandes bancos. Porque o trabalhador, o pobre e a classe média pagam seus impostos. Têm seus impostos descontados na fonte. Quando vão comprar um biscoito, uma massa no mercado, pagam imposto. São as grandes empresas, que têm grandes departamentos de planejamento tributário, dezenas e centenas de advogados, que conseguem, através de mecanismos que driblam as regras, deixar de recolher seus impostos”, critica João Sicsú, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista ao Vermelho.

CPMF

Os que reagem à Declaração de Informações e Operações Relevantes são muitas vezes os mesmo que fazem campanha contra o retorno da CPMF, outra medida que é apontada como tendo o efeito de combater a sonegação. Isso porque ela permite acompanhar a movimentação financeira, tornando visíveis irregularidades e complicando a vida de quem quer pagar menos imposto do que devia.

“Os sonegadores de impostos não são os pobres, são os ricos. Neste ponto, a CPMF ajudaria a revelar quem são as pessoas que sonegam e as que contribuem corretamente com o país. Acredito que seja esse o motivo pelo qual está sendo criada uma resistência da não aprovação da contribuição”, analisou o economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Márcio Pochmann, no site do PT.

“Estudos realizados estimam que 10% de todo o PIB brasileiro equivale à sonegação que o Estado deixa de arrecadar. A Receita Federal indica que a cada quatro pessoas, apenas uma declara imposto de renda”, informa o economista.