Prefeito fecha ferrovia da Vale contra “irresponsabilidade do capital"
“É um desastre sem precedentes”, afirmou o prefeito de Baixo Guandu, no Espírito Santo, Neto Barros (PCdoB), em entrevista ao Portal Vermelho. Ele bloqueou por seis horas a Estrada de Ferro Vitória a Minas na madrugada desta sexta-feira (13), para pressionar a Samarco-Vale a apresentar soluções para conter os danos causados após o rompimento das duas barragens de propriedade da mineradora em Mariana, Minas Gerais.
Por Dayane Santos
Publicado 13/11/2015 18:39
O bloqueio deu resultado e representantes da empresa se reuniram com o prefeito. O prefeito utilizou seis tratores para fechar a linha férrea que transporta a matéria-prima da mineradora Vale. Neto classificou como “absurda” a situação atual provocada pelo crime ambiental da empresa. Ele enfatiza que a Samarco-Vale não tinham preparação para conter qualquer tipo de imprevisto ou plano de contenção para evitar esse desastre.
“Agora, somos destinatários dessa irresponsabilidade do grande capital financeiro que se sobrepõe aos interesses de todas as pessoas, seja ambiental ou da vida humana”, repele.
Representantes da Samarco-Vale se reuniram com o prefeito nesta sexta-feira (13) e se colocaram à disposição do município se comprometendo a ajudar. “Se a gente não faz isso [bloqueio] eles não teriam se reunindo com a prefeitura. Eles fazem a sujeira e são os últimos a chegar”, rechaçou Neto, afirmando que os representantes fizeram questão de dizer que “dinheiro não é o problema”, mas que eles têm problemas “muito maiores do que a nossa cidade para enfrentar”.
Colonialismo jurídico
Neto criticou também a postura do Judiciário frente a tragédia vivida pela população. Para ele, por conta dos “resquícios do colonialismo”, o Judiciário ainda é dotado de “um pensamento arcaico e conservador”, que defende o patrimônio de grandes corporações ignorando até mesmo a legislação.
“Diante da falta de uma resposta concreta da Vale-Samarco e da passividade da Justiça, resolvi paralisar as ferrovias. A interrupção foi de seis horas porque a Justiça foi muito ágil em atender o pedido da empresa e me localizar para intimar a retirar em meia hora o maquinário dos trilhos, sob pena de multa de R$ 30 mil para a prefeitura e outros R$ 25 mil para mim. Quer dizer, há oito dias acontece um crime e nada é feito, mas para atender os interesses do capital e das empresas em poucas horas o Judiciário se prestou a dar uma resposta. É surpreendente”, denunciou.
Neto destacou ainda que se um pescador fosse flagrado dentro do Rio Doce com um barco pescando lambari estaria preso e seria capa de jornal. “E para quem mata todo o Rio Doce, qual é a punição?”, questiona.
E acrescenta: “Todos estão assistindo passivamente a lama tóxica descer o rio até chegar ao oceano. Já são 100 quilômetros de dejetos químicos misturados com a lama descendo o rio há oito dias, e até agora não apareceu nenhum especialista, técnico, engenheiro para tentar amenizar esse problema e impedir que afete todos os municípios”.
Apesar da situação grave que o município enfrenta e os desafios do futuro diante das consequências do crime ambiental, Neto reafirmou o seu compromisso com a população. “A gente não perde a capacidade de se indignar com isso. É preciso mobilizar a sociedade. A Vale tem um passivo ambiental muito grande com a população tanto do Espírito Santo, quanto de Minas Gerais, e deve ser responsabilizada por isso”, frisou.
Consequências
Na entrevista, Neto Barros ressalta que o departamento de saneamento e água da cidade recolheu amostras no leito do Rio Doce e Governador Valadares que apontam a contaminação.
“Coletamos água em Governador Valadares onde a lama tóxica não chegou ainda, e as amostram revelam alta contaminação com elementos como chumbo, alumínio e ferro. É intratável, mas a empresa continua a dizer que não tem nada disso. Que vai comprovar que se trata de elementos do solo”, declarou.
O prefeito informou que o município já realiza obras para garantir uma captação alternativa, já que a captação do Rio Doce será interrompida. “Vamos fazer a captação do Rio Guandu, mas para isso precisamos de recursos e eles [Samarco-Vale] não se prontificaram a nos ajudar até agora. Estamos com mais de 50 pessoas trabalhando às pressas para desobstruir um canal antigo e tentar levar a água até um determinado ponto para fazer a captação. Mas existem cidades que não tem essa condição e vão sofrer muito”, lamentou.
Neto também contestou as afirmações da Samarco-Vale, de que se trata apenas de um acidente. “Dizem que foi por conta de um abalo sísmico, que não há contaminação na água, enfim, daqui a pouco tudo isso vai virar um incidente. E nós somos destinatários da irresponsabilidade desse entendimento”, frisou.
O prefeito lembrou que essa é a época do chamado defeso, ou seja, não se pode pescar. “O Rio Doce está morrendo. Estão matando a fauna e a flora do rio. E quando voltarmos ao período de pesca não haverá o que pescar porque não tem desova, não tem reprodução, portanto, teremos um problema econômico grave”, pontuou.