Jabbour: China vive transição em modelo de desenvolvimento

Dados divulgados nesta segunda (4) apontam que a atividade industrial da China encolheu pelo décimo mês seguido em dezembro. A notícia frustrou expectativas de analistas, causou tensão no mercado financeiro e reacendeu o debate sobre os impactos da desaceleração do crescimento da segunda maior economia do mundo.

China investe no mercado interno

Segundo o professor de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Elias Jabbour, além de sofrer as consequências da desaceleração da economia internacional, o gigante asiático vivencia o esgotamento de uma dinâmica de crescimento muito pautada nos investimentos e nas exportações.

O país – que passou as últimas décadas comprando commodities de países como o Brasil e exportando produtos industrializados – agora tem o desafio de transitar dessa dinâmica para outra, que privilegia o consumo interno. Especialista em China, Jabbour avalia que este será um processo longo, amparado por uma decisão política.

Ao comparar a postura da China diante da crise com a de outros países, o professor destaca que o país asiático tem sob controle do Estado todos os mecanismos necessários à elevação da demanda. “Seu sistema financeiro é estatizado, suas grandes empresas agem em combinação com os interesses do Estado. Ao contrário de muitos países europeus e dos EUA, onde o problema crônico de demanda é aprofundado pela manutenção no poder dos mesmos que criaram a crise global”, aponta.

Depois de colecionar taxas anuais de crescimento em torno de 10% durante as últimas décadas, a China deverá crescer 6,9% em 2015, segundo relatório de pesquisadores do banco central chinês (PBoC), publicado no mês passado. Questionado se é possível ao país retomar a crescimento de dois dígitos, Jabbour responde que não.

“Crescimento de dois dígitos somente em países muito pobres, onde pouco capital é suficiente para aumentar geometricamente a produtividade do trabalho. A China já passou deste estágio. A manutenção de um patamar de 6% a 7% nos próximos anos já é algo de bom tamanho”, diz.

Os impactos do crescimento mais lento da China afetam especialmente países periféricos, que dependem do mercado chinês para absorver a venda de matérias-primas. A China é hoje o maior parceiro comercial brasileiro e a desaceleração daquele país é apontada como uma das causas das dificuldades atuais na economia do Brasil.

De acordo com Jabbour, o Brasil hoje está “vulnerável às turbulências não somente chinesas, mas também da política de juros interna dos EUA”. Para ele, contudo, poderia ser pior. “Ao menos acumulamos reservas cambiais nos últimos anos”, salienta.

O professor defende que, para se proteger da redução no ritmo de crescimento chinês, o país precisa “resolver o problema político, acelerar os acordos de leniência e as concessões das infraestruturas, baixar os juros e manter a taxa de câmbio no mesmo patamar que o atual”. Mesmo assim, adverte, trata-se de atacar “somente os sintomas, não a doença”.

Para ele, “o nível do debate econômico brasileiro nunca esteve tão baixo”. Enquanto, a partir da escolha pela “estabilidade econômica”, se discute câmbio e juros, Jabbour avalia que o centro da questão deveria ser outro.

“Um país com metas de inflação anuais e abertura da conta de capitais não tem muita margem de manobra. Ou se colocam esses reais problemas em debate ou continuaremos dependendo de outro boom das commodities que, infelizmente, nunca mais ocorrerá”, opina.

Em relação ao Brics, o professor mostra-se otimista. Avalia que o atual momento econômico da China terá pouco efeito sobre o bloco. E defende a relevância do Banco do Brics. “Diante da chantagem aberta da grande finança internacional, aprofundada com a última capa da revista The Economist, empresas como a Petrobras devem olhar com mais atenção as oportunidades abertas por este banco”, sugere, referindo-se à edição da revista que tece críticas ao atual cenário brasileiro.

Leia abaixo a íntegra da entrevista, concedida ao Portal Vermelho por e-mail, nesta terça (5):

Portal Vermelho: O que tem levado a economia chinesa à desaceleração?
Elias Jabbour: Trata-se de um quase esgotamento de uma dinâmica de crescimento muito pautada nos investimentos e nas exportações. O desafio deles é transitar desta dinâmica a outra onde o peso do fator consumo seja maior, essa é a preocupação essencial que o 13º Plano Quinquenal deve dar respostas. Evidente que a desaceleração da economia internacional também afeta o ritmo de crescimento, e a entrada do país neste jogo da “grande finança global” enseja instabilidades a serem enfrentadas e bem enfrentadas até aqui, diga-se de passagem.

O que a China está fazendo para se recuperar e neutralizar riscos?
Certamente os mecanismos de controle sobre seu mercado de capitais deverão passar por aperfeiçoamentos. Esse é um ponto interessante diante do sobe e desce das bolsas de Xangai e Shenzen. Reformas como as ocorridas no sistema financeiro chinês em 1994, 1997 e 1999 quando o governo absorveu uma montanha de “créditos podres” e preparou o sistema bancário à abertura de seus capitais deverão ocorrer de novo no momento. O alvo deverá ser tanto o sistema financeiro “sombra”, que se alastrou nos últimos anos, quanto o que me referi mais acima sobre os mecanismos de controle de operações de seu mercado de capitais. O consumo deverá ser estimulado, como já vem ocorrendo. O problema é a transferência de recursos do investimento ao consumo. Esse será um processo longo, um verdadeiro drama. Ainda mais quando o país precisa lançar mão de mais pacotes de investimentos para segurar a demanda e manter alto o nível da capacidade produtiva instalada.

Quais as diferenças entre as bolsas chinesas e as ocidentais?
O próprio Estado é acionista na China. O próprio Estado controla a hora que começa e a hora que termina um pregão. Tem instrumentos de contenção de bolhas e tem uma dívida pública baixa em relação ao nível internacional, proporcionando maior capacidade de absorção de dívidas, por exemplo.

Que avaliação você faz da estratégia chinesa de se voltar mais para o mercado interno?
É um estágio de desenvolvimento amparado por uma decisão política. Ao mercado interno já estão voltados há certo tempo, desde o lançamento do Programa de Desenvolvimento do Oeste em 1999. O problema hoje não é uma “volta ao mercado interno”. E sim de transitar de uma dinâmica de desenvolvimento a outra, cujo sucesso encetará a própria capacidade de governança do Partido Comunista da China. É um processo tão duro quanto a própria implantação do próprio programa de reformas de 1978.

Que comparação podemos fazer em relação à postura de outros países diante da crise?
A China tem sob controle do Estado todos os mecanismos necessários à elevação da demanda. Seu sistema financeiro é estatizado, suas grandes empresas agem em combinação com os interesses do Estado. Ao contrário de muitos países europeus e dos EUA, onde o problema crônico de demanda é aprofundado pela manutenção no poder dos mesmos que criaram a crise global. É o que tenho dito, “na Europa e nos Estados Unidos a preferência pela liquidez é uma instituição política, enquanto que na China o governo age em função da demanda efetiva”.

Que impactos a desaceleração da China tem sobre a economia global e, em especial, sobre os países emergentes como o Brasil?

O impacto é diferenciado para cada caso. Países com estrutura industrial pronta, sofrem menos. Países periféricos que dependem do mercado chinês para soja, minério de ferro, petróleo, etc , tendem a sofrer mais. A atual taxa de câmbio praticada no Brasil é boa neste aspecto, sem dúvidas.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil hoje. O país está muito dependente do gigante asiático? Está mais vulnerável às turbulências chinesas?
Evidente que o Brasil é vulnerável às turbulências não somente chinesas, mas também da política de juros interna dos EUA. Ao menos acumulamos reservas cambiais nos últimos anos. Poderia ser pior.

O que o Brasil pode fazer para se proteger da desaceleração chinesa?
É muita coisa. Resolver o problema político é essencial, acelerar os acordos de leniência e as concessões das infraestruturas, baixar os juros e manter a taxa de câmbio no mesmo patamar que o atual. Mas mesmo assim estaremos atacando somente os sintomas, não a doença. E viramos experts em atacar somente sintomas, convenhamos. O nível do debate econômico brasileiro nunca esteve tão baixo. A ortodoxia e a heterodoxia (desde a década de 1950, lembremos) se engalfinham para discutir duas coisas: juros e câmbio. Não se discute a funcionalidade destes dois preços da economia a partir do momento em que o país fez – em alto e bom som – uma escolha estratégica (na década de 1990) pela “estabilidade monetária”, onde quase todos concordaram, inclusive no campo progressista. Eu pessoalmente não quero discutir juros e câmbio. Quero discutir o próprio Plano Real e a política de metas de inflação. Um país com metas de inflação anuais e abertura da conta de capitais não tem muita margem de manobra. Ou se colocam esses reais problemas em debate ou continuaremos dependendo de outro boom das commodities que, infelizmente, nunca mais ocorrerá.

Que prejuízos uma redução do crescimento chinês pode acarretar para o Brics? Iniciativas como o Novo Banco do Desenvolvimento podem ser afetadas?
Do ponto de vista estratégico, há pouco prejuízo. Os países precisam se preparar internamente às fases mais recessivas do ciclo econômico e da queda do preço de commodities. Só gente louca e despreparada para acreditar que os termos de troca aos países periféricos em relação à demanda chinesa iriam durar para sempre. Existem arranjos e rearranjos cíclicos a serem feitos em concordância com o ambiente externo. É só ter gente interessada em estudar um pouco de teoria dos ciclos e estatística. Sobre o Novo Banco de Desenvolvimento, não haverá nenhum impacto. Ao contrário, uma grande oportunidade de financiamento de grandes obras, como aqui no Brasil. Não somente isso. Diante da chantagem aberta da grande finança internacional, aprofundada com a última capa da revista The Economist, empresas como a Petrobras devem olhar com mais atenção às oportunidades abertas por este banco.

Você acredita que a China possa voltar a crescer como no passado?
Não, impossível. Crescimento de dois dígitos somente em países muito pobres, onde pouco capital é suficiente para aumentar geometricamente a produtividade do trabalho. A China já passou deste estágio. A manutenção de um patamar de 6% a 7% nos próximos anos já é algo de bom tamanho.

Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho