CPT anuncia que luta pela reforma agrária continua em 2016 

“A ameaça real, de que os preocupantes cenários político e econômico vividos em 2015 se prolonguem no ano de 2016, evidencia que somente com muita organização e luta é que os trabalhadores rurais e movimentos sociais conseguirão evitar a clara tendência da permanência dos conflitos agrários.” 

Indígenas pedem aos deputados manutenção de direitos conquistados - Agência Câmara

Essa é a conclusão do balanço da questão agrária brasileira no ano de 2015, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Nordeste II, divulgada nesta quarta-feira (6).

O balanço da CPT diz que o ano de 2015 foi marcado pelo desmonte de órgãos do Governo e por cortes de recursos públicos para a reforma agrária e demarcação de territórios quilombolas e indígenas. A violência contra as comunidades camponesas e povos indígenas foi praticada não só pela lógica do capitalismo, como também pelo Estado brasileiro.

As comunidades camponesas impactadas por este modelo de desenvolvimento adiantam, que continuarão a resistência como único caminho para permanecerem existindo. E alertam para os desafios que se apresentam para o ano que se anuncia, em razão da persistência do modelo alicerçado no agronegócio, da exploração do latifúndio e sem qualquer preocupação com os povos do campo e com o meio ambiente.

Pauta conservadora

Em seu balanço, a CPT aponta que “o Congresso Nacional, com a mais conservadora formação das últimas décadas, manteve-se a serviço do poder econômico, que financiou as ricas campanhas eleitorais e, ao mesmo tempo, se colocou como palco da crise política e do prolongamento da disputa eleitoral, em prejuízo de uma pauta que fosse de interesse real da sociedade.”

A CPT destaca a predominância de pautas conservadoras no Congresso Nacional, citando como exemplos “os inquietadores projetos para implantar a terceirização, a redução da maioridade penal, a restrição da demarcação das terras indígenas, a mudança na rotulação de produtos transgênicos, o tratamento restritivo do estatuto da família, a mudança do estatuto do desarmamento, a mudança no regime de partilha do pré-sal, dentre outras iniciativas voltadas ao conservadorismo e ao retrocesso nas conquistas sociais.”

Essas pautas, segundo o documento, contribuíram para intensificar as injustiças, as desigualdades sociais e ambientais. “E o Governo andou para trás no caminho de superar os desafios e impasses da luta da terra, deixando de atender a demanda histórica pela reforma agrária e os direitos dos povos do campo.”

Cortes do orçamento

Em consequência desse quadro, as desapropriações de terras foram prejudicadas com o corte de 15,1%, afetado pelo contingenciamento do orçamento da União. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) sofreu uma redução de 49% do montante previsto inicialmente na Lei Orçamentária Anual de 2015. O Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que possuía um orçamento inicial da ordem de R$ 1,65 bilhão, atuou em 2015 com metade deste valor: R$ 874,37 milhões.

Sequer foi cumprida a estimativa do governo para 2015 que era de atingir uma meta de
30 mil novas famílias assentadas e, até 2018, zerar o número de trabalhadores e trabalhadoras rurais acampadas no país, caso não ocorressem mais ocupações até essa data – tendo em vista que os movimentos sociais indicam o número atual de 120 mil famílias acampadas no país.

Os movimentos sociais do campo questionam os dados do MDA que declarou ter assentado cerca de 13 mil famílias de trabalhadores rurais até outubro, quando somente cerca de sete mil novas famílias haviam sido assentadas até então. De todo modo, o número é muito aquém da necessidade das famílias acampadas no Brasil.

Lutas que marcaram 2015

Mesmo diante de todas as dificuldades impostas pelo Estado, pelo agronegócio e grandes empreendimentos, os camponeses mantiveram a luta pela reforma agrária e pela demarcação de seus territórios. O ano foi de intensas mobilizações e lutas. Algumas destas marcaram o ano que se encerrou, como a jornada das mulheres da Via Campesina e a Marcha das Margaridas, realizadas em março e agosto, respectivamente, mobilizando milhares de camponesas de todo o país.

As ocupações de terras também ganharam força em 2015. Conforme dados parciais da
CPT, 34% dos latifúndios ocupados estão localizados na região Nordeste, 26% no Centro-Oeste,
17% no Sudeste, 11,5% no Sul e finalmente 11% no Norte. Os estados da Bahia, Goiás,
Mato Grosso do Sul, Paraná e Pernambuco lideraram a lista das ocupações de latifúndios improdutivos. Grande parte dessas foi realizada pelo MST no mês de abril, durante a sua Jornada de caráter nacional, o Abril Vermelho.

O movimento sindical também ocupou as ruas em 2015, a exemplo da realização de mais uma edição do Grito da Terra, realizado em Brasília no mês de maio. A mobilização nacional, que reuniu milhares de trabalhadores e trabalhadoras rurais, foi precedida de um conjunto de manifestações estaduais e regionais.

Os povos indígenas de todo o Brasil também realizaram grandes mobilizações e fizeram de Brasília um de seus principais campos de luta contra a PEC 215. Um exemplo emblemático foi a manifestação ocorrida no mês de outubro, quando centenas de indígenas, quilombolas e pescadores tradicionais ocuparam a Câmara dos Deputados, em protesto à PEC que transfere do Executivo para o legislativo a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas e quilombolas.

Na ocasião, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recriminou os manifestantes. As luzes, microfones e ar-condicionados foram desligados, sob ordens do presidente da Câmara. A polícia cercou o local e impediu a entrada de advogados.

Além dos protestos, as populações indígenas exigiram respeito, denunciaram as violências de que são vítimas em inúmeros fóruns e tribunais nacionais e internacionais e reivindicaram o cumprimento da Constituição para impedir retrocessos ou supressão de direitos.