José Marti, 163 anos

Em 28 de janeiro de 1853, nascia em Havana, o poeta, filósofo, jornalista e militante revolucionário José Marti, cuja obra obra literária e polítca se estendeu para além de sua Cuba natal. Em seus poucos 43 anos vividos,  Marti tornou-se um icone para os revolucionários e povos em luta da América Latina. Para registrar a data de seu nascimento, o Portal Vermelho publica um trecho do Prólogo ao Poema del Niágara*.

Cuba homenageia José Martí, inspirador da luta pela Nossa América - Reprodução

Prólogo ao Poema del Niágara, 1883.

Mas quanto trabalho custa encontrar-se a si mesmo! O homem, nem bem entra no gozo da razão que desde o berço lhe privam, tem que se desfazer para entrar verdadeiramente em si. É um movimento hercúleo contra os obstáculos lançados em seu caminho por sua própria natureza e os que se acumulam, em miserável hora e por impiedoso conselho e culpável arrogância, nas ideias convencionais de que ela se alimenta. Não há tarefa mais difícil que esta de distinguir, em nossa existência, a vida introjetada e pós-adquirida da espontânea e pré-natural; aquilo que vem com o homem e aquilo que lhe acrescentam, com suas lições, legados e ordenações, os que viveram antes dele. Sob o pretexto de completar o ser humano, o interrompem. Nem bem nasce e já estão à sua frente, junto a seu berço, com grandes e fortes vendas prontas e à mão, as filosofias, as religiões, as paixões dos pais, os sistemas políticos. E o prendem, o enfaixam, e o homem se converte, por toda sua vida na terra, em cavalo domesticado. Assim é a terra, agora uma vasta morada de hipócritas. Vem à vida como cera e a sorte os esvazia nos modelos pré-formatados. As convenções criadas deformam a existência verdadeira e a verdadeira vida se torna uma corrente silenciosa que desliza invisível sob a vida aparente, às vezes sequer sentida por aquele em quem se faz sua obra precavida, do mesmo modo que o misterioso Guadiana** percorre, silenciosamente, um longo caminho sob as terras andaluzas. Assegurar o arbítrio humano; deixar aos espíritos sua própria forma; não eliminar a graça das naturezas virgens com a imposição de preconceitos alheios; estimular a aptidão de decidir por si sobre o útil, sem ofuscá-las nem impeli-las a um caminho marcado. E aqui o único modo de povoar a terra de uma geração vigorosa e criativa que lhe falta! As redenções vêm sendo teóricas e formais; é necessário que sejam efetivas e essenciais. A originalidade literária não tem espaço nem a liberdade política subsiste enquanto não se assegura a liberdade espiritual. O primeiro trabalho do homem é reconquistar-se. Urge devolver os homens a si mesmos; urge tirá- los do mal governo da convenção que sufoca ou envenena seus sentimentos, acelera o despertar de seus sentidos e sobrecarrega sua inteligência com um caudal pernicioso, alheio, frio e falso. Só o genuíno é frutífero. Só o direto é poderoso. O que outro nos lega é como alimento requentado. Cabe a cada homem reconstruir a vida: o pouco que olhar para dentro de si, a reconstruirá. Assassino pérfido, ingrato a Deus e inimigo dos homens é aquele que, sob o pretexto de dirigir as novas gerações, ensina a elas um conjunto de saberes isolados e absolutos de doutrinas e predica-lhes ao ouvido não a doce conversa do amor, mas o evangelho bárbaro do ódio. É réu por traição à natureza aquele que impede, de uma ou outra forma, e de qualquer maneira, o livre uso, a aplicação direta e o emprego espontâneo das magníficas faculdades do homem.

**Grande rio de Portugal, localizado a sudoeste, de histórica importância, desde os romanos, na estruturação do território da Península Ibérica. (N.A.)