A minimização da pedofilia e a bizarra matéria do G1

Precisei respirar por uns 10 minutos no saco de pão pra me reintegrar e conseguir finalizar este post. Que a pedofilia é minimizada no Brasil – e, creio eu, no mundo – culpabilizando a vítima – “isso não é roupa de criança”; “com 12 anos já dá pra saber bem o que quer”; “se não falou nada pra ninguém não era tão incômodo assim” – já é sabido.

Por Matê da Luz

Pedofilia - Reprodução

Que estes “argumentos” profanam o emocional de qualquer pessoa que tenha passado pela infeliz situação, deixando marcas que desestruturam formações tão profundas quanto importantes para a própria existência do indivíduo, bem, é algo que deveria ser sabido.

Mas, se fosse, como aceitar a matéria jornalística, assim mesmo, em itálico, publicada sobre um caso e estupro de menor realizado pelo padrasto – pedofilia –, grávida (!!!) no portal G1?

Alguns pontos discutidos pela página Empodere suas mulheres:

1) “Os encontros amorosos entre a criança de 11 anos e o padrasto de 40 anos”: “estupro de vulnerável” no lugar de “encontros”. Sério que vocês acham que isso era um encontro?;

2) “O padrasto confirmou que mantinha relação sexual com a menina”: não existe relação sexual com criança;

3) “A criança foi chamada na delegacia e disse ter consentido os encontros”: criança não tem como consentir nada, é estupro de vulnerável;

4) “Os encontros aconteciam ainda de madrugada”: não é encontro;

5) “O homem e a filha disseram que a mãe não sabia do relacionamento dos dois”: aqui a criança é colocada como pessoa plenamente adulta;

6) “Ele confirmou que há muito tempo vinha mantendo relação sexual com ela”: quanto tempo faz isso? E vocês tão falando de “encontro”;

7) “O suspeito foi indiciado por estupro de vulnerável, apesar da admissão da menina”: apesar da admissão? Ele ainda é suspeito? Que que é isso?

Além de todos estes pontos, senti muita falta daquele “o que fazer” que seria o serviço de utilidade pública que, enfim, o jornalismo deveria prestar:

– Inserir o Disque 100 como canal de apoio, amparo e orientação em todo o Brasil, de preferência detalhando o tipo de atendimento, sigiloso, e algumas propostas apresentadas como solução: alojamento, assistência psicológica e médica, algum trâmite jurídico, por exemplo. Isso apenas pra notícia ter algo de oferta ao leitor num nível acima da curiosidade (de mau gosto, mórbida e, repito, bizarra enquanto abordada da forma que foi).

– Números sobre a pedofilia no Brasil. Porque informar não faz mal a ninguém, mesmo online – um pequeno parágrafo que distribui os alarmantes números e porcentagens faz abrir o olho do leitor comum “poxa vida, acontece tanto isso que eu preciso tomar alguma atitude mais proativa do que ler sobre um assunto tão sério como se fosse sensacionalismo puro”.

Entendo que pouca gente esteja realmente se importando com o fato de que, em levantamento feito em 2012 (não encontrei dados mais atuais), consta que 73% dos pedófilos do mundo todo estão geolocalizados no Brasil. Podem ser estrangeiros, sim, mas estão atuando por aqui, presencialmente ou via web, o que ainda é aterrorizante. Vale ressaltar, ainda, que a criminalização da pedofilia no país é absurdamente recente, datada de 2008, o que, pros meus olhos neuróticos no assunto, reforça a cultura de que, por ser assunto “de dentro de casa” – a esmagadora maioria dos crimes é cometida por parente direto ou indireto – que seja resolvido “dentro de casa”, pra não “destruir a família” (sim, estes argumentos também são bastante utilizados no mundo da sexualização monstruosa contra crianças).

– Num mundo incrível, poderia haver também um parágrafo sobre casos de pessoas
influentes/famosas que deram depoimentos sobre abusos vivenciados e uma história de superação. Romantismo à parte, saber que existe um caminho de cura possível e que algumas personagens icônicas/de sucesso passaram por ele pode inspirar um caminho também vitorioso para o leitor que, muito infelizmente, passou pela mesma situação.

Passaria o dia todo escrevendo sobre mais e mais formas de amparar a vítima e não somente apontar o abusador (ainda mais num contexto abusivamente protegido como esse do G1), mas meu saquinho de pão estourou. Enquanto escrevia esse post, uma pessoa passou atrás do meu monitor e lançou a pérola: “não sei porque tá todo mundo falando disso, foi no Paraná!”.