Marcus Verlaine: PT, Lula, Dilma e os movimentos sociais e sindical 

Entender as crises atuais, em particular a política, que guarda semelhanças históricas com os eventos de 1954 e 1964 e o papel dos atores sociais que mais podem ser prejudicados se houver retrocessos no País é fundamental para o debate e a ação políticas.

Por Marcos Verlaine* 

Ato em Fortaleza reúne movimentos sociais em defesa da Petrobras - Regiane Oliveira

Há uma grande e renhida batalha política e de ideias em curso. Essas ganharam novos e relevantes contornos com a vitória de Lula, em 2002, à Presidência da República; e sua reeleição em 2006; e ainda com a vitória de Dilma em 2010 e reeleição em 2014.

Os perdedores, na política e na sociedade, esperavam e torciam, na lógica do "quanto pior, melhor", uma gestão desastrosa, errática e cheia de problemas. E de fato, houve muitos problemas! Surgiu então a crise do chamado "mensalão". Os setores reacionários e conservadores se eriçaram para enterrar, pelo menos eleitoralmente, Lula e o PT. Não conseguiram. E não se conformam!

Apesar da luta encarniçada que se travou e ainda se trava na sociedade, no governo e no Congresso, sempre animada pela mídia, em particular, a imprensa, Lula foi reeleito em 2006 e pôde cumprir um segundo mandato mais tranquilo, pelo menos tendo como referência o primeiro.

E é importante não esquecer e enfrentar que o ataque para o ‘abraço da morte’ que Lula sofre hoje é infinitamente mais pelos acertos do seu governo, que pelos graves erros que cometeu, seja durante as gestões ou depois delas.

Esses graves erros, agora, servem de pretexto para a direita política e a oposição no Congresso tentarem um verdadeiro desmonte da legislação trabalhista por meio de proposições legislativas como o PLC 30/15, que escancara as terceirizações; do PLS 555/15, que desmonta as estatais brasileiras; e de entrega do pré-sal, por meio do PLS 131/15, que determina que a Petrobras não mais tenha exclusividade na sua exploração.

Combate à corrupção como biombo

Toda oposição ao governo Lula, tanto no primeiro, quanto no segundo mandato se baseou em denúncias de corrupção no Executivo. Aliás, tem sido assim historicamente. No passado era a UDN (União Democrática Nacional), que organizava os ataques às conquistas do povo em geral e dos trabalhadores em particular, cujos quadros migraram para a Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido que deu sustentação ao regime militar instaurado por meio do golpe de 64. Agora essa oposição é capitaneada pelo PSDB.

E Lula, por suas características políticas e pessoais, de grande capacidade de negociar, de transigir e de dialogar com amplos setores da sociedade, superou a crise do "mensalão", mas não sem sofrer reveses importantes no PT e no governo. Ao ponto de ter de buscar fora dos quadros históricos do partido alguém para sucedê-lo.

Lula terminou o segundo mandato sendo considerado um fenômeno político e eleitoral. Político porque deixou o governo com grande popularidade. Foi avaliado por mais de 80% dos eleitores como um bom presidente. Tratava-se de um grande capital político a ser derrotado pelos adversários.

E eleitoral. Tanto que em 2010 elegeu Dilma Rousseff, uma debutante em disputas eleitorais, presidente da República. Tratava-se de um fenômeno, pois não havia no país a tradição de transferência de votos, como ocorreu com Dilma. E sua reeleição, em 2014, também foi um recall dos mandatos de Lula.

No primeiro mandato, Dilma foi todo o tempo acossada, mas se sobressaiu com a reeleição em razão de os efeitos da crise econômica não terem atingido os níveis que ora vivemos.

Reeleita, sob uma disputa em que quase foi batida pela oposição, iniciou o segundo mandato com a agenda dos perdedores. E sem a capacidade política do antecessor, governa mergulhada numa crise que vai lhe consumindo, dragando-lhe forças a ponto de ainda não ter conseguido dizer a que veio neste novo mandato.

Crise e relações históricas

A crise em curso, que ganha ares de novidade todos os dias, do ponto de vista político-histórico nada tem de novo.

A crise política que redundou no suicídio de Getúlio Vargas, em 13 de agosto de 1954, tinha como pano de fundo denúncias de corrupção. Era o "mar de lama", como propagandeava o governador do estado da Guanabara e líder da UDN, Carlos Lacerda.

Mas o suicídio de Vargas fez eclodir dois fenômenos. O primeiro foi a reversão, em grande medida, da crise, pois haviam elementos artificiais eriçados pela oposição, na época, a UDN, para criar as condições políticas e eleitorais para suplantar o então presidente, que era chamado de "pai dos pobres".

O segundo foi interromper, por 10 anos, o golpe civil-militar que estava em gestação. As forças reacionárias e conservadores só conseguiram reunir as condições políticas, sociais e ideológicas para "virar a mesa" em abril de 1964.

E o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964 também teve como ‘pano de fundo’ o ‘combate’ à corrupção, no plano político, e o anticomunismo, no plano ideológico. A propósito, o antipetismo tem como matriz ideológica, o anticomunismo. Esta sempre foi a retórica dos setores mais conservadores da sociedade, vocalizada por setores da chamada classe média, e repercutida aos borbotões pela mídia.

Fora do poder político central há quase dezesseis anos, essas elites que dirigem o país desde o descobrimento agora têm uma ‘obsessão’ contra a corrupção. Mas só a corrupção cujos protagonistas são do PT ou de alguma maneira tem relação com o governo Lula-Dilma. A corrupção histórica e endêmica protagonizada por seus pares está sob o manto do esquecimento, numa amnésia seletiva.

Os fatos têm demonstrado que só há repercussão midiática quando o "fato" atinge o PT, o Lula, a Dilma e colaboradores diretos ou indiretos do governo. A oposição é "imaculada".

Movimentos sociais e sindical

Em meio a estas crises — que se do ponto de vista político-histórico não tem novidades, do ponto de vista econômico é uma incógnita — estão os movimentos sociais e sindical.

A propósito, tudo tem levado a crer que a crise econômica será duradoura e crescente se não houver uma ampla confluência de forças políticas e sociais para superá-la.

Há um grande desafio em curso para estes setores e também para as esquerdas diante da agenda conservadora.

Para as esquerdas, "além da defesa da democracia, do Estado de direito e da ética na condução da coisa pública, será preciso preservar as conquistas e combinar um ajuste fiscal, sem corte de direitos, com a retomada do crescimento econômico, de modo a garantir o equilíbrio das contas públicas e, principalmente, o desenvolvimento sustentável com inclusão social", como elenca Antônio Queiroz, no artigo "Desafios dos partidos de esquerda em 2016", publicado na página do Diap, em 29 de janeiro de 2016.

Para os movimentos sociais e sindical, a luta será pela preservação de direitos, sobretudo os previdenciários, ameaçados por expectativas de reformas de cunho neoliberal partindo do governo, que enseja ameaça aos direitos dos trabalhadores.

Diante da crise, "o melhor caminho na luta pela manutenção de direitos e de garantias (nesse ambiente) de retração da atividade econômica, assim como para preservar os instrumentos e ferramentas de luta que permitam a retomada de eventuais perdas conjunturais, é investir em formação", como recomenda Queiroz no artigo "Estratégias de luta dos trabalhadores na conjuntura atual", publicado na página do Diap, em 28 de outubro de 2015.

Com a palavra, os movimentos sociais e sindical!