Advogados alertam sobre supressão de direitos e garantias fundamentais

O Movimento de Advogados e Advogadas em Defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito e da Justiça Social pedirá ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que se posicione claramente em defesa da democracia e da Constituição Federal de 1988, contra as violações de preceitos constitucionais, direitos individuais e prerrogativas dos advogados que, na avaliação do movimento, vem crescendo em todo o país.

Por Marco Weissheimer, Sul 21

Advogados RS - Foto: Guilherme Santos

Dezenas de advogados e advogadas se reuniram no final da tarde desta segunda-feira (7), na Assembleia Legislativa gaúcha, para lançar no Rio Grande do Sul o movimento que está sendo articulado em vários Estados e que realizará um encontro nacional nos dias 10 e 11 de março, no Hotel Nacional, em Brasília. Impossibilitados de comparecer, Carlos Araújo e Tarso Genro enviaram manifestações de apoio ao movimento.

“Este é um movimento de advogados comprometido com a Constituição, o Estado Democrático de Direito e a Justiça Social. Nosso desafio central é unificar os advogados em defesa da democracia e da Constituição de 1988 que se encontram ameaçados”, disse Pedro Maurício Machado, um dos organizadores do encontro. “Estamos vivenciando cotidianamente a supressão de direitos e garantias fundamentais, com a instalação de uma justiça de exceção, com um só juiz cuidando de uma única causa, com o poder de paralisar a economia do país e de interferir em disputas político-partidárias”, acrescentou o advogado. “Não se combate à corrupção, destruindo a democracia e as liberdades individuais. Não queremos estar reunidos aqui daqui a 20 anos lutando pela redemocratização do país”, assinalou ainda Pedro Machado.

“O elemento que nos unifica é a Constituição”

Elizeu Lopes, da coordenação nacional do movimento, defendeu que é preciso ter coragem para enfrentar o arbítrio que vem tomando conta do país. “O elemento que nos unifica aqui é a Constituição. Estamos vendo, em nível mundial, uma tendência à naturalização de certas exceções. Defender a Constituição é ter coragem de dizer não à essa naturalização. Estamos diante de uma situação peculiar. Tivemos avanços sociais importantes nos últimos anos, mas estamos vendo uma regressão do ponto de vista dos compromissos assumidos pela Carta de 88”, disse Lopes. O advogado criticou o andamento da Operação Lava Jato, conduzida por um juiz que investiga, emite opiniões publicamente e julga. Além disso, acrescentou, “temos uma mídia partidarizada, sem isenção alguma”.

Christopher Goulart, neto do ex-presidente João Goulart, também participou do ato e lembrou o drama vivido pela família após o golpe de 64. “Tenho três nacionalidades em função da perseguição que sofremos após o golpe. Não quero viver em um país onde a delação premiada adquira o status de trânsito em julgada e a opinião da sociedade seja ditada por capas de revistas”, afirmou. Já o advogado Mário Madureira lembrou que a OAB aderiu ao golpe de 1964 e só se redimiu anos depois, defendendo a redemocratização. “Queremos que a OAB assuma um compromisso claro em defesa do Estado Democrático de Direito e da Constituição. Não é revogando a Constituição e os direitos fundamentais que se combate a corrupção”, enfatizou Madureira.

Lembranças do pré-1964

Na mesma linha, Silvia Burmeister, da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), lembrou que, em dezembro de 2015, a entidade lançou uma nota oficial contundente em defesa da Constituição. Burmeister denunciou a quebra do equilíbrio na relação entre os poderes, destacando que o Legislativo fez um corte abusivo no orçamento da Justiça Trabalhista que terá, segundo ela, consequências imediatas no serviço prestado à população. Jacques Alfonsin lembrou um pouco do ambiente pré-golpe de 1964, não por saudosismo, enfatizou, mas sim para dizer que “desta vez não vão nos pegar desprevenidos”. Alfonsin defendeu que o movimento da advocacia una-se a iniciativas de movimentos populares e sociais que também estão se mobilizando em defesa da democracia.

Carlos Frederico Guazzelli também lembrou do período pré-golpe e de uma lição aprendida com o pai, Eloar Guazzelli, que acabou se transformando em um dos principais defensores de presos políticos no RS durante a ditadura. “Anos depois do golpe, começamos a descobrir o que meu pai já tinha descoberto há algum tempo: as liberdades democráticas não eram mera formalidade”.

Um dos pontos mais enfatizados no encontro foi a necessidade de cobrar da OAB uma posição firme e clara em defesa da Constituição. Jorge Buchabqui lembrou o artigo 44, inciso 1º, do estatuto da OAB, que diz que a finalidade da ordem é defender a Constituição e o Estado Democrático de Direito. “Não estamos aqui para defender um governo, uma presidenta ou um ex-presidente, mas sim para defender o Estado Democrático de Direito. Precisamos disputar a opinião pública e exigir que a OAB cumpra sua finalidade”, defendeu o advogado que cogitou a possibilidade de o movimento de advogados apresentar uma petição pública ao Supremo Tribunal Federal (STF), exigindo que se dê um basta à situação atual.

“Há um golpe em andamento”

Outra afirmação repetida por vários participantes do encontro na Assembleia gaúcha foi o alerta sobre um movimento golpista em curso no país. “Há um golpe em andamento, um golpe de novo tipo, com uma fachada de legitimidade jurídica. Nossa tarefa é expor a real natureza dessa suposta legitimidade”, disse Antônio Escosteguy Castro. “Mais grave do que aconteceu na última sexta-feira, foi o que não aconteceu”, acrescentou Castro. “Não aconteceu nenhum inquérito contra a Globo por conta da mansão construída irregularmente em Paraty, não aconteceu nenhum inquérito contra FHC, que contou com a parceria da Globo para manter uma relação extra-conjugal fora do país, nem contra familiares de Eduardo Cunha. A República foi sequestrada e está a serviço de um grupo político”.

Antonia Mara Loguércio também advertiu para os riscos de um novo golpe, lembrando que não basta haver previsão constitucional para evitar a violação de direitos. “A Constituição de 1967 dizia que a casa era o abrigo inviolável do indivíduo e eu fui presa dentro da minha casa”. Para a ex-presa política e ex-juíza, Lula só não foi preso na última sexta-feira, porque a reação foi imediata. “O tal juiz (se é que pode ser chamado assim) acabou repassando a responsabilidade aos policiais, com um argumento que tripudia sobre a nossa inteligência”, assinalou. Mara Loguércio disse ainda que o discurso do combate à corrupção é, historicamente, a senha para movimentos golpistas e isso está acontecendo de novo no país. “Não temos mais o direito de acreditar em acaso no Brasil”, defendeu.