Membros do MP alertam para cumplicidade entre mídia e autoridades

Nota divulgada nesta sexta-feira (11), com a assinatura de promotores e procuradores de diversos estados do Brasil, alerta para o risco de o país retroceder em conquistas obtidas após os anos de ditadura militar, quando viveu um estado de exceção. “Operações midiáticas e espetaculares, muitas vezes baseadas no vazamento seletivo de dados sigilosos de investigações em andamento, podem revelar a relação obscura entre autoridades estatais e imprensa”, diz o texto.  

Ministério Público

Confira na ìntegra a nota:

O/as Promotores de Justiça, Procuradores/as da República e Procuradores/as do Trabalho abaixo nominados/as, integrantes do Ministério Público brasileiro, imbuídos da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos fundamentais, individuais e coletivos, previstos na Constituição Federal de 1988, vêm a público externar sua profunda preocupação com a dimensão de acontecimentos recentes na quadra política brasileira, e que, na impressão dos/as subscritores/as, merecem uma reflexão crítica, para que não retrocedamos em conquistas obtidas após anos de ditadura, com perseguições políticas, sequestros, desaparecimentos, torturas e mortes.

 
1. É ponto incontroverso que a corrupção é deletéria para o processo de desenvolvimento político, social, econômico e jurídico de nosso país, e todos os participantes de cadeias criminosas engendradas para a apropriação e dilapidação do patrimônio público, aí incluídos agentes públicos e privados, devem ser criteriosamente investigados, legalmente processados e, comprovada a culpa, responsabilizados.
 
2. Mostra-se fundamental que as instituições que compõem o sistema de justiça não compactuem com práticas abusivas travestidas de legalidade, próprias de regimes autoritários, especialmente em um momento em que a institucionalidade democrática parece ter suas bases abaladas por uma polarização política agressiva, alimentada por parte das forças insatisfeitas com a condução do país nos últimos tempos, as quais, presentes tanto no âmbito político quanto em órgãos estatais e na mídia, optam por posturas sem legitimidade na soberania popular para fazer prevalecer sua vontade.
 
3. A banalização da prisão preventiva -aplicada, no mais das vezes, sem qualquer natureza cautelar – e de outras medidas de restrição da liberdade vai de encontro a princípios caros ao Estado Democrático de Direito. Em primeiro lugar, porque o indivíduo a quem se imputa crime somente pode ser preso para cumprir pena após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII). Em segundo lugar, porque a prisão preventiva somente pode ser decretada nas hipóteses previstas no art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de violação ao devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).
 
4. Operações midiáticas e espetaculares, muitas vezes baseadas no vazamento seletivo de dados sigilosos de investigações em andamento, podem revelar a relação obscura entre autoridades estatais e imprensa. Afora isso, a cobertura televisiva do cumprimento de mandados de prisão, de busca e apreensão e de condução coercitiva – também utilizada indiscriminada e abusivamente, ao arrepio do art. 260 do Código de Processo Penal – redunda em pré-julgamento de investigados, além de violar seus direitos à intimidade, à privacidade e à imagem, também de matriz constitucional (CF, art. 5º, X). Não se trata de proteger possíveis criminosos da ação estatal, mas de respeitar as liberdades que foram duramente conquistadas para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.
 
5. A história já demonstrou que o recrudescimento do direito penal e a relativização de garantias não previnem o cometimento de crimes. Basta notar que já somos o quarto país que mais encarcera no mundo, com mais de 600 mil presos, com índices de criminalidade que teimam em subir, ano após ano. É certo também que a esmagadora maioria dos atingidos pelo sistema penal ainda é proveniente das classes mais desfavorecidas da sociedade, as quais sofrerão, ainda mais, os efeitos perversos do desrespeito ao sistema de garantias fundamentais.
 
6. Neste contexto de risco à democracia, deve-se ser intransigente com a preservação das conquistas alcançadas, a fim de buscarmos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Em suma, como instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público brasileiro não há de compactuar com medidas contrárias a esses valores, independentemente de quem sejam seus destinatários, públicos ou anônimos, integrantes de quaisquer organizações, segmentos econômicos e partidos políticos.
 
Afrânio Silva Jardim – MPRJ (Procurador de Justiça aposentado)
 
Bettina Estanislau Guedes – MPPE
 
Daniela Maria Ferreira Brasileiro – MPPE
 
Daniel Serra Azul Guimarães – MPSP
 
Domingos Sávio Dresh da Silveira – MPF
 
Eduardo Maciel Crespilho – MPSP
 
Fabiano Holz Beserra – MPT
 
Fernanda Peixoto Cassiano – MPSP
 
Helio José de Carvalho Xavier – MPPE
 
Juliana de Souza Andrade – MPSP
 
Júlia Silva Jardim – MPRJ
 
Júlio José Araújo Junior – MPF
 
Marcelo Pedroso Goulart – MPSP
 
Márcio Soares Berclaz – MPPR
 
Gustavo Roberto Costa – MPSP
 
Jacqueline Guilherme Aymar – MPPE
 
José Godoy Bezerra de Souza – MPF
 
Maísa Melo – MPPE
 
Maria Ivana Botelho Vieira da Silva – MPPE
 
Maria Izabel do Amaral Sampaio Castro – MPSP
 
Osório Silva Barbosa Sobrinho – MPF
 
Plínio Antonio Britto Gentil – MPSP
 
Raphael Luis Pereira Bevilaqua – MPF
 
Renan Bernardi Kalil – MPT
 
Rômulo de Andrade Moreira – MPBA
 
Thiago Alves de Oliveira – MPSP
 
Tiago Rodrigues Cardin – MPSP
 
Tiago Joffily – MPRJ
 
Tadeu Salgado Ivahy Badaró – MPSP
 
Taís Vasconcelos Sepulveda – MPSP
 
Westei Conde Y Martin Junior – MPPE