Desafio de Lula é conciliar interesses para retomada do crescimento

A ida do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil deve representar uma mudança na tão criticada política econômica atual. Há notícias de que Lula teria condicionado seu embarque no governo a essa inflexão. Em um contexto em que a delicadeza do momento político exige negociação e, não, ruptura, ele terá o desafio de ajudar a reconquistar a base social do governo, ao mesmo tempo em que constrói pontes no Congresso e contém a volatilidade do mercado.

Por Joana Rozowykwiat

Economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Guilherme Mello

O ex-presidente deve então trabalhar para conciliar interesses, tendo como Norte a retomada do crescimento. Se é verdade que a crise política impõe limites às transformações, impossibilitando uma guinada extrema na política econômica e mesmo a rápida realização de grandes reformas, por outro lado, a grande capacidade de articulação de Lula pode, por si só, ajudar o país a sair das dificuldades econômicas.

“O grande objetivo do Lula no ministério será reconstruir uma coalizão política. E, só de recompor a base de apoio político, você já consegue um avanço enorme na questão econômica também. Grande parte da crise que está aí é decorrente da crise política, da falta de horizonte e dos efeitos da Lava Jato”, aponta o professor de Economia da Unicamp, Guilherme Mello.

De acordo com ele, o resgate da governabilidade já permitiria ao governo aprovar projetos importantes para a retomada do crescimento, a exemplo da Medida Provisória que acelera os acordos de leniência com empresas. “Isso já é um avanço significativo, porque permitirá às empresas firmarem os acordos de leniência, pagarem as multas e continuarem trabalhando. Com isso, você já cria emprego, já gera investimento”, afirma.

Mix de agendas

A contribuição de Lula para reverter o cenário difícil na economia, contudo, deve ir além de sua habilidade para negociar e construir apoio. Para Mello, a primeira modificação deve ser notada na comunicação e no discurso do governo. “Ao invés de ficar insistindo na questão do ajuste fiscal, numa comunicação tímida e muito técnica, imagino que Lula deve implementar uma comunicação mais direta, um discurso voltado para a classe trabalhadora”, opina.

Mas não é só isso. O novo ministro deve influenciar na definição de ações simbólicas, que acenem para a base social do PT, mas sem ignorar as propostas reunidas pelo PMDB no documento Ponte para o Futuro. “Eu acho que ele vai tentar uma coordenação de agendas. Se ele vai para o governo para tentar reconstruir a base, não faz sentido enfrentar diretamente, por exemplo, o PMDB, que é fundamental para o governo”, avalia o professor.

Apresentada no ano passado, a plataforma dos peemedebistas, de caráter marcadamente liberal, guarda grande distância do projeto tradicionalmente defendido por Lula, o PT e as forças de esquerda. “O Lula terá que encontrar alguns aspectos dessa agenda para negociar e enfrentar. Provavelmente, ele vai adotar algumas questões, como, por exemplo, o controle dos gastos públicos, alguma coisa de desvinculação de receitas, por exemplo”, prevê.

Mello avalia, no entanto, que a polêmica Reforma da Previdência – defendida no documento do PMDB e encampada até então pelo governo, não deverá ser apresentada por hora, o que agradará os trabalhadores que temiam perder direitos. “Acho que a reforma vai continuar sendo discutida, mas até se chegar a uma proposta razoavelmente consensual. Lula não vai insistir nesse equívoco de enfrentar essa agenda agora”, diz.

Ao passar em revista os governos Lula, é possível encontrar pistas de ações que poderão ser adotadas a partir de agora. Sem preterir o equilíbrio das contas públicas, o ex-presidente optou, quando esteve no Planalto, por não adotar medidas de ajuste que contraíssem a economia e prejudicassem o trabalhador. Para Guilherme Mello, além de reforçar programas já existentes, o governo pode iniciar o debate sobre temas relevantes, a exemplo daqueles que envolvem maior justiça fiscal.

“Por exemplo, a grande questão do Lula – ele sempre falou nisso – é o crédito habitacional. Acho que ele vai reforçar o ‘Minha casa, Minha vida’ e também o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para reativar o circuito do investimento público, e destravar algumas concessões. Creio que vai buscar anunciar o debate de alguns impostos progressivos, como o de grandes fortunas”, defendeu Mello, sinalizando com isso a possibilidade de o país retomar uma agenda voltada ao resgate do crescimento a partir de políticas do Estado, que foi exitosa nas gestões de Lula.

Como o ambiente político não é mais favorável como no passado, essas pautas deverão ser dosadas com as outras, menos avançadas. “Vai precisar fazer uma parte da agenda do PMDB, então acredito que ele fará um mix de agendas. Ver o que é viável politicamente e anunciar isso em negociações e discursos recorrentes. Algumas medidas sinalizando para a classe trabalhadora e para a esquerda e outras sinalizando para o mercado”, afirma.

De acordo com Mello, a chegada de Lula ao governo deverá motivar uma ampla reforma ministerial, com a possibilidade de mudanças, inclusive, no comando do Banco Central. “Tenho a impressão que o Henrique Meirelles pode assumir o Banco Central”, indica. Matérias na mídia já apontam nessa direção. Na montagem do ministério do segundo governo de Dilma, Lula já teria defendido o nome de Meirelles para o Ministério da Fazenda, mas a sugestão não foi acatada.

Conter a volatilidade do mercado

A notícia da nomeação de Lula fez com que o dólar disparasse e Bolsa caísse na manhã desta quarta. A instabilidade, contudo, deve ser passageira, avalia Mello. “No curto prazo, as reações serão negativas. Mas não tem maiores problemas se essa volatilidade ficar restrita ao curto prazo. No fundo, a questão é: o Lula vai conseguir normalizar a situação política? Se ele conseguir, o próprio mercado vai perceber isso e a instabilidade vai acabar”, antecipou.

Caso o Lula não obtenha êxito na sua missão maior, o cenário não deve se alterar. “Aí a instabilidade permanece, mas permaneceria de qualquer jeito, com Lula, com Dilma, com Temer, porque existem elementos da política brasileira que estão fora do controle dos políticos, como a Lava Jato”, encerrou.