Lula ministro: Curitiba sofre bloqueio, agora a batalha é campal

A situação atual no Brasil não tem paralelo histórico. Dilma não é o Vargas de 1951 a 1954. Não é o JK, que foi fustigado pelo golpismo o tempo todo. Nem é o Jango que foi derrubado. Dilma não agiu nem com o estatismo nem com o trabalhismo de Vargas. Não tem Plano de Metas nem a pujança industrialista de JK. Não tem a bandeira das reformas de base de Jango.

Por Antonio Lassance *

 Dilma tampouco é Geisel, como já se sugeriu, mesmo que, a partir de agora, com Lula, se possa dizer que a presidenta ganhou um Golbery. Geisel, ao contrário de Dilma, sabia usar a estrutura da presidência a seu favor. Dilma, ao contrário, desmontou a estrutura presidencial eficiente montada por Lula. Destruiu o aparato de apoio à decisão que, neste momento, poderia fazer a diferença para reforçar o centro de governo e imprimir um mínimo de racionalidade à ação governamental.

A oposição, escorraçada das manifestações, desmoralizada com denúncias e blindada por uma incrível e constrangedora impunidade, demonstrou que está longe de ser a voz das ruas.

A política brasileira está a tal ponto desgovernada que a única situação minimamente similar é a da Argentina na presidência de Fernando de la Rúa (1999 a 2001). Naquela crise, ninguém seria capaz de adivinhar qual seria o desfecho.

É forçoso dizer que o risco maior, no momento, não é de impeachment ou renúncia, sequer o de prisão de Lula. O risco real, imediato e mais grave para o País é o de alastramento da revolta social, de ambos os lados.

Fernando de la Rúa foi eleito diante do desgaste de seu antecessor, Carlos Menem, e da rejeição dos argentinos a esse neoliberalismo de costeletas. Dilma foi também eleita com uma crítica ao passado, ao PSDB, a FHC, ao neoliberalismo da Petrobrax, e na defesa de direitos trabalhistas, "nem que a vaca tussa". Era um governo para dar preferência aos pobres, e não aos ricos.

Assim como de la Rúa, Dilma demonstra uma dificuldade imensa de debelar a crise econômica e retomar o crescimento do país. A presidenta não fez um "corralito", espécie de confisco promovido por de la Rúa e similar ao feito por Collor. No entanto, pode e provavelmente amargará três anos seguidos de recessão. As consequências desse cenário tétrico são tão ou mais profundas e graves do que a de um simples corralito.

De la Rúa cometeu o palpite infeliz de ter chamado para ser ministro da Economia, no ápice da crise, Domingo Cavalllo, que havia ocupado o mesmo cargo na presidência Menem. Cavallo era, portanto, uma espécie de Joaquim Levy. A rigor, até o momento, o ministro supostamente desenvolvimentista Nelson Barbosa nada fez que se distinga muito de Levy. A ênfase em reforma da Previdência, CPMF e cortes de gastos nos faz perguntar qual a razão de terem mandado Levy embora.

Assim como o PT, foi a Frente País Solidario (Frepaso) quem protagonizou os escândalos de corrupção que mais chocaram o país e decepcionaram milhões de eleitores. Ninguém tem ilusões em relação ao PMDB, PSDB, DEM e PP. Mas o PT era a esperança de que houvesse a lógica de uma diferença, como disse Margaret Keck.

Enquanto Fernando de la Rúa vinha da tradicional União Cívica Radical, a Frepaso era base fundamental da coalizão e reunia desde comunistas e socialistas ao Partido Intransigente. Na Argentina, como sempre, o peronismo encontrou uma solução para a crise. No Brasil, o peronismo se chama "presidencialismo de coalizão", mas não parece haver solução à vista.

Talvez fosse mais cômodo escrever aqui sobre uma batalha de tempos homéricos, com uma narrativa grandiloquente que colocasse a presidência Dilma em um patamar elevado e em posição de destaque. Porém, uma análise mais precisa e menos apaixonada requer um diagnóstico muito franco e rigoroso. A frase emblemática do candidato de la Rúa, "dizem que sou um chato", é um slogan perfeito para a presidência Dilma: cara amarrada, governo centralizado, paralisado, modorrento. Sem participação, sem reformas progressistas, sem mudança. Sem povo e sem política.

A crise é gravíssima. O PT e Lula respondem, na melhor das hipóteses, com bravatas, como a da jararaca. O que se vê é um grau inaudito de desorganização de um governo que é incapaz de ter uma única agenda positiva; que não consegue se abrir a pautas dos movimentos sociais e muito menos se comunicar (comunicar o quê?); de um partido que está sob fogo cruzado e em franca defensiva, que não consegue se democratizar e radicalizar suas posições; de um ex-presidente que tenta se defender mendigando respeito e coragem de interlocutores prostrados diante um juiz obscuro, um personagem tão medíocre e popular que se equipara a Bolsonaro e ao japonês da Federal. Do outro lado, a única coisa resplandecente no PT são os palavrões de Lula.

Com a nomeação de Lula como ministro, a república de Curitiba sofre um bloqueio. Agora é batalha campal, assim como no governo de Fernando de la Rúa. A sorte do país está lançada nas ruas, para o bem ou para o mal. É o dia 18 contra o dia 20 de março. É o dia 27 contra o dia 31.