Der Spiegel: o Golpe Frio no Brasil

Os opositores de Lula conseguiram o que sua frágil sucessora Dilma Rousseff não conseguiu desde que tomou posse: eles conseguiram colocar juntos com o governo, a base do Partido dos Trabalhadores, os sindicatos e os movimentos sociais.

Por Jens Glüsing, na revista Der Spiegel

Jens Glüsing

Centenas de milhares de apoiadores de Lula protestaram na sexta-feira (18) à noite em todo o país contra a tentativa de tirar a presidenta do cargo por meio de impeachment.

Na Avenida Paulista, em São Paulo, que é considerada como um termômetro dos protestos, eles ocuparam onze quadras da cidade de São Paulo.

As manifestações permaneceram calmas, Lula foi conciliador, ele evitou ataques contra o sistema judiciário e chamou para o diálogo. Dificilmente se ouviu incitação ao ódio nas manifestações no Rio e em São Paulo.

Ao contrário do protestos contra o governo na semana passada, em que cada vez mais rebeldes, extremistas de direita e caronas da desordem ganham voz, eles não representam a maioria dos manifestantes, mas eles ganham popularidade. Isto é preocupante para a ainda jovem democracia brasileira.

Pela primeira vez desde o fim da ditadura militar, em meados dos anos 1980, o maior país da América Latina, sofre uma crise de Estado que poderia destruir muitas realizações dos últimos 30 anos. Parte da oposição e o Judiciário, juntamente com o grupo da poderosa TV Globo, tem inflamado os ânimos e desencadeado uma verdadeira caça às bruxas contra o ex-presidente Lula.

Sérgio Moro, juiz ambicioso do sul do Brasil – de Curitiba – aparentemente tem apenas um objetivo: levar o ex-presidente para trás das grades. Moro comanda os inquéritos do escândalo de corrupção, que envolve a empresa petrolífera mista Petrobras, e centenas de gestores, lobistas e políticos, incluindo vários altos representantes do Partido dos Trabalhadores, de Lula.

Como um furacão, o juiz varreu a elite política e econômica do Brasil. Ele descobriu bilhões desviados. Mais de cem suspeitos estão na prisão, a maioria sem condenação. Muitos brasileiros celebram o juiz como um herói nacional.

As evidências – provas – são poucas.

Mas, nos últimos meses, o sucesso de Moro aparentemente subiu à sua cabeça. O juiz faz política, que não não lhe seria permitido. A publicação de conversas telefônicas interceptadas entre Lula e Dilma poucas horas antes da nomeação de Lula como ministro, perseguiu, por si só, fins políticos, e foi legalmente duvidosa, para dizer o mínimo.

Moro até agora não tem sido capaz de forjar uma acusação contra Lula, embora dezenas de promotores e agentes federais de Curitiba vasculhassem as finanças e condições de vida pessoais do ex-presidente durante meses. A evidência é ainda escassa.

Lula não tem milhões na Suíça, como o poderoso presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Ele é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, um juiz do Supremo Tribunal de Justiça referiu-se a ele como “um criminoso”. Mas isso não impede que Cunha assuma a presidência da comissão, que é responsável pelo impeachment da presidenta.

Nesta honrosa comissão de impeachment, senta-se, entre outros, um ex-governador de São Paulo, que foi condenado na França por acusações de corrupção, mas não foi entregue pelos brasileiros, porque ele é brasileiro. Ele chama-se Paulo Maluf.

O fato de que tais figuras possam dizer palavras decisórias para derrubar uma presidenta, que até agora não tem nenhuma culpa que a incrimine, destrói a legitimidade de todo o processo.

Seguidores de Lula alertam sobre estar acontecendo um golpe frio contra a democracia brasileira. Essa preocupação não foi apenas trazida pelo vento.