Posse de terra indígena pode frear devastação no Oeste paraense 

O governo federal homologou esta semana a demarcação da terra indígena Cachoeira Seca (PA) e destinou a posse permanente e o usufruto exclusivo da área aos índios Arara. A homologação da Terra Indígena pode ajudar a frear o desmatamento no norte da região conhecida como Terra do Meio, no oeste do Pará. É o que espera o secretário executivo do Instituto Socioambiental (ISA), André Villas-Bôas.  

Rio Xingu (Pará) onde está sendo construída Belo Monte - Ministério do Meio-Ambiente
O território de mais 730 mil hectares está localizado nos municípios paraenses de Altamira, Placas e Uruará. A demarcação de uma terra para os Arara era umas das condicionantes para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. A etnia foi considerada grupo vulnerável pelos estudos de impacto da usina, segundo parecer técnico da Fundação Nacional do Índio (Funai).
“A terra indígena também é sinônimo de proteção da natureza e é uma situação que se verifica por toda a Amazônia. Podemos perceber que onde tem terra indígena tem floresta de pé”, disse Villas-Bôas.
Villas-Bôas destaca, entretanto, que a homologação da terra indígena não é uma iniciativa relacionada à obra de Belo Monte, mas uma obrigação constitucional do governo que não vinha sendo cumprida e que entrou como condicionante para a construção da usina.
Além disso, segundo Villas-Bôas, as invasões às terras indígenas e o desmatamento estavam crescendo nos últimos anos na região. “É espantosa a exploração ilegal de madeira naquela região e a impunidade com os madeireiros. Espero que agora o governo desdobre sua decisão [da homologação] nas ações necessárias para a proteção daquela área”, disse.
Segundo o ISA, a taxa de desmatamento está em ritmo acelerado e cresceu 41% em toda a Terra do Meio, entre agosto de 2014 e julho de 2015. A área com corte raso passou de 13,1 mil hectares para 18,5 mil hectares.
O secretário executivo do instituto disse ainda que outra condicionante para a construção da Usina de Belo Monte é o investimento na proteção das áreas de floresta da região. Villas-Bôas espera que os recursos possam estruturar uma fiscalização efetiva na região.
Em nota, o Ministério Público Federal no Pará afirmou que a homologação da área é uma dívida histórica do Estado brasileiro com os indígenas Arara e representa o único caminho para a sobrevivência desse povo diante das transformações que Belo Monte trouxe para a região. “O governo brasileiro encerrou uma espera de 30 anos […]. O decreto [de homologação] era uma das principais condicionantes de Belo Monte, mas só veio seis anos depois de iniciadas as obras da usina. As consequências dessa demora são sentidas duramente: a Cachoeira Seca é considerada a terra indígena mais invadida por madeireiros e com maior índice de desmatamento ilegal do país”, diz a nota.
 
Remoção dos não índios
 
A homologação vai beneficiar 105 índios Arara que vivem na área. Levantamento da Funai identificou 1.085 ocupações não indígenas no território, 72% delas de pequenas propriedades. Começa agora o processo de regularização da área homologada, com a saída gradativa dos não índios por meio de reconhecimento das ocupações de boa-fé e pagamento das benfeitorias realizadas. A desintrusão da terra prevê o cadastramento dos agricultores do local com perfil para reforma agrária para futuro reassentamento.
 
Segundo o secretário executivo do ISA, a construção, por madeireiros, de uma estrada irregular na década de 1980 foi um dos principais vetores da ocupação ilegal na área, que vinha crescendo nos últimos anos.
 
“Há que separar o joio do trigo, há famílias de ocupação de boa-fé que precisam de toda atenção do governo em relação aos seus direitos. E há oportunistas que se ocuparam de áreas maiores, pessoas que são empresários na região. É uma fase que exige uma ação articulada do governo federal para liberar a área para uma ocupação plena por parte dos Arara”, disse Villas-Bôas.
 
Gestão do território
 
Segundo o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Pará, Marcos Antônio Reis, é preciso pensar em uma política de gestão e exploração territorial comandada pelos próprios Arara. Para ele, os indígenas também podem ser capacitados para fazer a fiscalização e proteção do território.
 
O modo de vida dos Arara é baseado na coleta de frutas, caça e agricultura. Reis explica que “há a necessidade urgente de implantar políticas de subsistência que ajudem eles a complementar a alimentação, sem que dependam tanto de produtos externo ou industrializados”.
 
Segundo o coordenador do Cimi, o atendimento na área da saúde é “extremamente precário”. “É uma área isolada, que fica a três dias de barco de Altamira (PA), precisaria melhorar a assistência médica, odontológica, de medicamentos, fornecimento de água potável e uma infraestrutura que possa atender esses indígenas com pessoal qualificado na área de saúde”, disse.
 
Os Arara também precisam de políticas socioculturais, segundo Reis, de professores capacitados que saibam falar o mínimo da língua materna para alfabetizá-los no sistema bilíngue e intercultural. “Iniciativas que ajudem a firmar e fortalecer a identidade Arara, com investimentos que possam ajudá-los a manter a língua sendo falada por todo o grupo e reconhecer os espaços tradicionais e que eles deixaram de visitar por causa da invasão de não indígenas dentro do território”.