CPT denuncia crimes de morte no campo: terror autorizado
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou nota pública para denunciar os crimes de morte no campo. “O fim do mundo para o povo excluído começou faz tempo. A execução de camponeses e indígenas nesse país é coisa comum”, diz o texto. E analisa que “quando a estrutura política, econômica e jurídica do país se move ao redor dos interesses de uma minoria burguesa, elitista e racista contra os interesses das maiorias negras e pobres, autoriza também o terror no campo e na cidade.”
Publicado 11/04/2016 11:12
Leia a íntegra da nota pública:
Prenderam Cacique Babau e seu irmão na Bahia, executaram dois companheiros sem terra e deixaram muitos feridos no Paraná, no dia 7 de abril. Uma liderança de assentamento e do PT na Paraíba foi executada dentro de casa, ao lado da filha de um ano, no dia 6. No dia 31 de março, na comunidade quilombola Cruzeiro, município de Palmeirândia (MA), foi encontrado morto por disparo de arma de fogo o quilombola, conhecido como Zé Sapo. Em Rondônia mortes violentas, desaparecimentos e crimes rondam as comunidades camponesas. Em Mato Grosso e no Pará despejos violentos são constantes, e fazendeiros mandantes de crimes contra lavradores são absolvidos. No Mato Grosso do Sul as comunidades indígenas vivem ameaçadas e violentadas em suas próprias terras ancestrais.
Em 2015, o sangue de 50 trabalhadores e trabalhadoras assassinados no campo e o sangue de Vitor, criança Kaingang degolada no colo da mãe na rodoviária de Imbituba, em Santa Catarina, continuam a escorrer na vala da impunidade. Ao sangue deles se soma o de outros 13 lutadores e lutadoras tombados neste ano de 2016.
É competência do Governo Federal demarcar terras indígenas e fazer a Reforma Agrária. Se coisas como essa acontecem é porque há milhares de camponeses debaixo da lona preta à espera da tão prometida – e hoje abandonada – reforma agrária, e ainda milhares de indígenas e quilombolas tentando retomar os territórios dos quais foram esbulhados.
O fim do mundo para o povo excluído começou faz tempo. A execução de camponeses e indígenas nesse país é coisa comum.
Quando o governo federal entregou o Ministério da Agricultura para o agronegócio, autorizou também o latifúndio a continuar expulsando e matando os/as trabalhadores/as sem terra e indígenas.
Quando a reforma agrária vira moeda de troca e cabide de emprego na ineficiência criminosa do Incra, os antigos laços entre policiais e jagunços se reforçam mantendo intacto o cenário sem lei e sem direito no campo no Brasil.
Quando o TCU (Tribunal de Contas da União) determina a paralisação imediata do programa de reforma agrária do Incra em todo o país, age assim porque é um programa que beneficia excluídos, não faz a mesma coisa quando fraudes maiores e mais graves acontecem no sistema financeiro, ou quando estão envolvidas grandes empresas.
Quando a estrutura política, econômica e jurídica do país se move ao redor dos interesses de uma minoria burguesa, elitista e racista contra os interesses das maiorias negras e pobres, autoriza também o terror nas favelas e periferias – no campo e na cidade.
Na contramão dessa barbárie institucional e política, o povo do campo, com coragem, se insurge e mantem viva a esperança do seu território reconquistado, como fazem os Tupinambás e tantas outras etnias indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Como acontece na incansável e inglória luta pela terra pelos posseiros e sem terra de todos os cantos.
Esse é o verdadeiro Brasil do sacrifício e da semente dos mártires, plantada e replantada na terra que sangra todos os dias.
Pensar o cenário nacional hoje não pode ser um exercício curto de identificar os golpistas de sempre e as manipulações da mídia. Que sejamos contra o golpe institucional que se encaminha, mas que sejamos também honestos: a democracia que queremos tem que passar pela terra, tem que começar pelos territórios indígenas, tem que interromper a destruição de florestas e cerrados, e estancar de vez o sofrimento e assassinato do povo que busca terra pra viver e plantar.
A democracia que queremos começa no chão! A democracia que defendemos passa pela casa do povo pobre! A democracia que buscamos precisar e conciliar esse povo com esse território, acabando de vez com a sanha assassina do capitalismo e seus truques de colocar as maiorias de joelhos longe do poder e as minorias pelos salões e corredores trocando favores e influência.
A democracia que queremos… não existe! O projeto popular para o Brasil que construímos foi derrotado e precisa ser reinventado. A hora para fazer isso, é agora. O povo que vai fazer isso, somos nós, pela base.
A CPT convocada pela memória subversiva do evangelho da vida e da esperança, fiel ao Deus dos pobres, à terra de Deus e aos pobres da terra, ouvindo o clamor que vem dos campos e florestas, seguindo a prática de Jesus, se junta a outros movimentos e articulações na denúncia do sistema que violenta o direito dos pobres e mais fracos.
Nossa irrestrita solidariedade ao cacique Babau, ao povo do campo, das águas e das florestas, aos sem terra e a todos os que sofrem a intolerância e a perseguição, quando buscam o reconhecimento de sua cidadania e dos seus direitos. Que sigamos em caminhada, em romaria em busca da terra sem males!
"Aqui vive um povo que merece mais respeito. Sabe, belo é o povo como é belo todo amor…
Aqui vive um povo que cultiva a qualidade. Ser mais sábio quem o quer governar." (Milton Nascimento).
Goiânia, 8 de abril de 2016.