Chrispiniano: A divisão de um país onde as urnas não são respeitadas

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Lula

Nesses dias que antecedem a votação do impeachment, de intolerância, de gente que odeia a pessoa com quem eu trabalho, de gente que me odeia, o que eu queria escrever ou mostrar para meus amigos a favor do impeachment, e que talvez não devesse, e eles não verão esse post por causa do algoritmo do Facebook, ou que não vão ligar diante da avalanche de informações de uma montanha de jornalistas contra o governo, ou que manterão seus argumentos, ou que enfim, não irão influenciar a votação no congresso etc… é essa foto.

Por José Chrispiniano*

A foto deste post foi tirada em Abuja, capital da Nigéria, em um evento na cidade dias depois de um ataque terrorista do Boko Haram e tem jovens ativistas africanos de todo o continente. Nessa foto, na última fileira, do lado de um senhor careca tem um moço árabe. Ele é egípcio. Na palestra do Lula ele estava desesperado para fazer uma pergunta. A palestra acabou, o som foi cortado porque tinha um evento na sala ao lado e ele seguia desesperado balançando a mão. Tão desesperado que Lula respondeu a pergunta , com tradução simultânea para o inglês, sem microfone mesmo, estendendo a palestra para desespero dos organizadores.

A pergunta era como o Brasil tinha conseguido fazer a transição de ditadura para democracia, porque o Egito não tinha conseguido, derrubando o seu primeiro governo eleito pelos mesmos movimentos que tinham derrubado a ditadura.

Lula falou da história recente do Brasil e da América Latina, como a esquerda aqui respeitou e insistiu pacientemente no caminho democrático, aguentando violências, falou de Mujica, um homem que passou 14 anos na cadeia, metade disso em uma solitária, e que virou presidente sem nenhum rancor ou revanchismo. Falou de Dilma. Falou dos indígenas na Bolívia, a ampla maioria do país que nunca tinha sido governada por um dos seus antes de Evo Morales. Falou que só na democracia, um negro pode ser presidente dos Estados Unidos e um metalúrgico presidente do Brasil.

No Egito, derrubaram o presidente eleito Morsi, que chegou a ser condenado a pena de morte (depois suspensa). Mataram mais de mil pessoas que se opuseram ao golpe militar dado no país, afastaram dezenas de juízes legalistas, condenaram o partido de Morsi a ilegalidade. Tudo isso com pouca ou nenhuma atenção da imprensa e comunidade internacional.

Na saída da palestra conversei um pouco mais com o egípcio, sobre o desastre de um país que derruba seu primeiro presidente eleito em décadas. Ele disse que era contra, e que tinha sido um grande erro dos movimentos terem ajudado a depor Morsi.

Eu conheci Morsi em 2013, quando visitou o Brasil. O interesse dele era aproximar seu país dos Brics e iniciar algo parecido com o Bolsa Família no Egito. Morsi podia ser um bom ou mau presidente. O Egito certamente tinha muito a aprender ainda em democracia. Mas a sua deposição foi um desastre sem fim, que levará décadas, gerações para ser sanado.

Eu fico pensando nisso. Na esperança perdida no Egito. No equívoco e arrependimento de quem derrubou Morsi no Egito. Na divisão irreparável de um país onde as definições nas urnas não são respeitadas.

*José Chrispiniano é assessor de Imprensa no Instituto Lula

O texto foi extraído do Facebook do autor.