Mangabeira Unger: Nem renúncia, nem impeachment
Filósofo e ex-ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger rechaça a tentativa de afastar a presidenta Dilma Rousseff. Para ele, práticas fiscais usadas por todos os mandatários não podem servir, de forma “casuística”, para mudar o poder. Na sua avaliação, Dilma é a pessoa mais honesta à frente do país, desde o início da República. Deve, portanto, se manter no cargo e reorientar seu governo, defende o filósofo.
Publicado 12/04/2016 19:16
“Conheço Dilma Rousseff há mais de 30 anos. Como todos nós, ela é cheia de defeitos, mas é uma pessoa íntegra e ilibada. Desde Prudente de Morais (1894-1898), não vemos tanta severidade moral na pessoa do chefe de Estado”, disse, em entrevista à Folha de S.Paulo.
De acordo com ele, nem o impeachment, nem a renúncia são soluções para o país. Mangabeira Unger crê que não há razões para Dilma ser removida do seu posto.
“Não, não e não. Práticas fiscais usadas por todos os presidentes recentes não podem servir para derrubar presidente. Qualificação progressiva e prospectiva das práticas fiscais, sim. Utilização casuística dessa qualificação para mudar o poder, não. Não há qualquer indício tampouco de que a presidente tenha tentado obstruir a Justiça”.
Apesar de se colocar como um “crítico severo” do governo, ele avaliou, na entrevista, que o melhor para o país é que a presidenta tenha seu mandato resguardo. “Mas que, em seguida, reoriente radicalmente o seu governo. Que se supere a si mesma. Que faça uma autocrítica profunda. Que chame os melhores”, defendeu.
Para o pensador, a tentativa de derrubar Dilma nasce de “um processo e de um contexto que ameaçam a democracia brasileira”. Ele também se contrapôs à ideia de que a corrupção seria o mal maior do país – algo muitas vezes utilizado como pretexto e de forma seletiva para atingir políticos ligados ao governo.
Segundo ele, a questão da corrupção é um problema nacional sério, porém localizado. “A sua causa principal está na relação entre os políticos e as empresas que financiam as campanhas eleitorais. É um problema solucionável pela mudança das regras de financiamento da política”.
Mangabeira Unger disse ainda que o Brasil é, “de longe”, o menos corrupto dos grandes países emergentes. Para ele, a corrução” não pode servir para nos desviar do enfrentamento de nossos problemas reais”.
O ex-ministro apontou que a polícia, o Ministério Público e a grande mídia se associaram para construir uma onda contra Dilma, embrulhando “o ódio e a frustração no manto do moralismo”. Segundo ele, essa onda utilizou o instituto “perigoso” das prisões preventivas, no que ele qualificou como “um verdadeiro assalto às liberdades públicas no país”. Mangabeira Unger previu que tudo isso passará e “deixará gosto amargo na boca da nação”.
“Uma parte da elite jurídica e judicial abdicou de sua responsabilidade de por freio às paixões do momento. Temos de enfrentar a corrupção, sim, mas não a custo de fragilizar a democracia brasileira ou de eximir de enfrentar os verdadeiros problemas nacionais”, disse.
O filósofo teceu críticas ao governo atual, afirmando que não houve mudanças significativas em relação ao que o PSDB praticava e citou a dependência das commodities e uma “tentativa de democratizar a economia do lado da demanda, sem uma democratização correspondente do lado da oferta e da produção”.
Para ele, que é fundador do PMDB mas hoje está filiado ao PDT, “os interesses do trabalho e da produção foram subordinados aos interesses do rentismo financeiro”.